A cada segundo, um avião da Airbus decola em algum lugar do mundo, explica o engenheiro Bruno Fichefeux durante uma conferência que quer traçar os rumos do futuro da aviação. O evento foi organizado pela própria Airbus. O A320, modelo da empresa, já deixou para trás o lendário Boeing 737 em número de pedidos.
Mesmo que a Airbus ainda vá continuar produzindo esse sucesso por mais alguns anos, a tecnologia por trás dele já está ultrapassada. Recentemente, o consórcio europeu de aviação revelou no que vem trabalhando há mais de 10 anos: o projeto chamado Future Aircraft. Apesar disso, o novo jato pensado para ser o novo padrão do mercado nem é o mais inovador da lista.
A Airbus ainda guarda algo na manga que ela mesma compara ao lendário jato supersônico Concorde — mas dessa vez com um tom de alerta e preocupação.
A grande aposta da aviação europeia
Durante uma apresentação, a Airbus compartilhou sua visão de futuro para a aviação — ou, pelo menos, os primeiros contornos dela. O conceito descreve uma aeronave de fuselagem estreita, também chamada de “Single Aisle”, melhor em todos os aspectos, mas com foco especial na sustentabilidade. A ideia é que ela transporte mais ou menos o mesmo número de passageiros que os modelos A320 de médio alcance, algo entre 150 e 220 pessoas, em rotas de alguns milhares de quilômetros.
Os engenheiros da Airbus já estão trabalhando nesse novo jato há mais de dez anos. A previsão é que ele comece a voar no final da década de 2030, usando um tipo de querosene sustentável, o SAF. Esse novo combustível deve reduzir o consumo em 20% a 30% por trecho, em comparação com os A320neo que usam combustível convencional.
Esse avanço é essencial, porque o setor da aviação, assim como o da navegação, tem como meta reduzir drasticamente suas novas emissões de gases do efeito estufa nas próximas décadas. No caso da aviação, a promessa é zerar praticamente todas essas emissões até 2050.
Segundo a Airbus, para alcançar metas tão ambiciosas de eficiência, o novo avião vai precisar ser radicalmente diferente. As transformações se concentram em quatro frentes principais:
- Novos formatos de asas
- Motores com cara de ficção científica
- Materiais inovadores
- Tecnologias híbridas e inteligência artificial
As novas asas
Asas de aviões comerciais modernos já são bem diferentes das do começo do século 20. Mas as próximas gerações devem ir ainda mais longe, com recursos como:
- Asas mais longas e aerodinâmicas, com menor profundidade, o que reduz o arrasto e melhora a eficiência
- Pontas móveis que imitam o movimento dos albatrozes, para aumentar a manobrabilidade e suavizar as turbulências, além de melhorar o desempenho em pousos e decolagens
- Pontas dobráveis em ângulo reto, que permitem que mesmo com asas maiores, o avião consiga estacionar em portões de embarque já existentes
- Esse sistema dobrável no solo já foi adotado pela Boeing no modelo 777X, que ainda não entrou em operação comercial.
Motores fora do comum
O principal fator que define a eficiência de um avião são seus motores. São eles que geram o empuxo necessário para que a aeronave alcance velocidade suficiente para que as asas possam gerar sustentação. E é justamente nesse ponto que a Airbus aposta em tecnologias totalmente novas, fundamentais para alcançar os níveis de economia de combustível que o projeto exige.
Uma das opções mais promissoras é o chamado design “Open Fan”. Ele é uma evolução paralela dos motores turbofan atuais, mas enfrenta há anos vários desafios técnicos. Agora, com novas tecnologias, a Airbus acredita que está prestes a superá-los.
Visualmente, o Open Fan é bem diferente de um turbofan tradicional. As lâminas de compressão ficam expostas e são bem maiores do que nas turbinas convencionais. Isso permite que o motor atinja uma taxa de bypass (fluxo de ar secundário) de 60 para 1, número muito superior ao dos turbofans modernos usados em aviões como A320neo, 787, 777 ou A350, que alcançam cerca de 12 para 1.

Em termos simples, isso significa o seguinte: passa 12 vezes mais ar ao redor da câmara de combustão, gerando empuxo, do que diretamente por dentro dela. No fim das contas, os engenheiros não querem colocar o máximo de ar possível dentro da queima, mas sim acelerar a maior quantidade de ar que conseguirem. Hélices convencionais também conseguem fazer isso, mas perdem muita eficiência quando passam de 60% da velocidade do som.
O A320, por exemplo, costuma voar a 0,78 Mach, enquanto aviões maiores cruzam o céu entre 0,80 e 0,85 Mach (dados da Flugrevue e da Airbus).
Até o fim desta década, a Airbus quer testar esse novo motor — chamado de RISE — em um Airbus A380, em parceria com a fabricante CFM.
Novos materiais
Seja na fuselagem, nas asas ou nos motores, grande parte do novo avião será feita com materiais de última geração. A vantagem é clara: eles são mais leves, mais resistentes à deformação e ao desgaste. Entre as apostas estão compósitos de biomassa e termoplásticos de fibra de carbono, que são versões evoluídas dos materiais já usados hoje.
A Airbus espera que essa nova combinação traga um pacote de benefícios. Além disso, a empresa quer investir cada vez mais em materiais com melhor capacidade de reciclagem.
Hibridização e inteligência artificial
A inteligência artificial também vai decolar com a aviação do futuro. Os novos sistemas serão altamente conectados e automatizados, para aliviar a carga dos pilotos e oferecer mais suporte em situações críticas. A IA também vai ajudar as equipes de manutenção a detectar falhas com mais antecedência e acelerar o processo de conserto.
Fontes alternativas de energia, como baterias, células de hidrogênio e sistemas de reaproveitamento de energia, também estão no radar. A ideia é depender cada vez menos dos geradores dos motores principais ou auxiliares enquanto a aeronave está no solo. No futuro, o plano é simples: os motores só devem funcionar quando o avião realmente estiver se movimentando, e não muito antes ou depois disso.
Mesmo que muita coisa no conceito já pareça definida, o visual final do avião ainda está longe de ser decidido.
Os engenheiros têm uma boa noção de como alcançar os objetivos técnicos, mas o melhor caminho do ponto de vista econômico, ambiental e operacional ainda está em aberto. Existem várias configurações possíveis sendo estudadas, especialmente em relação à posição dos motores.
Essa é só uma das muitas perguntas que, nos próximos anos, vão moldar o design final do novo avião da Airbus.
O combustível do futuro está condenado ao fracasso?
Enquanto desenvolve o novo avião de médio alcance, a Airbus também segue trabalhando em um projeto movido 100% a hidrogênio, chamado ZEROe. A ideia é transportar cerca de 100 passageiros em distâncias de até 2.000 quilômetros. Segundo os planos atuais, a decolagem seria feita com quatro motores elétricos. A energia viria de células de combustível, que transformam o hidrogênio armazenado em tanques dentro da aeronave em eletricidade.

O CEO da Airbus, Guillaume Faury, apontou um grande desafio em relação a essa família de conceitos. Segundo ele, mesmo que o projeto resulte em uma aeronave excelente, ainda assim há o risco de fracasso. “Corremos o risco de construir uma espécie de ‘Concorde do hidrogênio’”, afirmou. Ou seja, teríamos uma solução tecnológica, mas que não seria comercialmente viável em escala global, assim como aconteceu com o antigo jato supersônico de passageiros.
A Airbus continua acreditando firmemente no hidrogênio como combustível do futuro. Mas, para que isso se torne realidade, será preciso contar também com uma infraestrutura adequada e condições econômicas favoráveis.
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