Imagine partir uma barra de chocolate e não ouvir aquele estalo seco, clássico. Agora imagine que, ao colocar um pedaço na boca, ele derrete quase como um creme — aveludado, rápido, com notas cítricas, amadeiradas e um perfume que remete diretamente à Amazônia. Esse é o cupulate, o “primo” do chocolate que não leva cacau, mas sim a semente do cupuaçu, fruta nativa da floresta e parente direta do cacau dentro do gênero Theobroma. Um produto ainda desconhecido pela maioria dos brasileiros, mas que pesquisadores e produtores acreditam ter um potencial enorme para impulsionar economias locais e valorizar saberes tradicionais.
Do cacau ao cupuaçu
Com origem amazônica, o cupulate moderno ganhou forma comercial principalmente pelas mãos de duas marcas: a De Mendes, no Pará, que resgatou uma receita tradicional de uma comunidade agroextrativista, e a baiana Amma, pioneira na venda do produto há cerca de dez anos. Ambas começaram no mercado de chocolates finos — o que explica a familiaridade com o processo de fermentação e secagem dos grãos, ainda que o cupuaçu exija um tempo maior para atingir o ponto ideal.
A história de Diego Badaró, da Amma, ajuda a ilustrar essa jornada. Herdeiro de uma família de cacaueiros devastada pelo fungo da vassoura-de-bruxa nos anos 80, ele revitalizou as plantações com sistemas agroflorestais regenerativos e se tornou um dos nomes mais respeitados do chocolate premium no país. Até que se encantou pelo cupuaçu. A primeira tentativa de transformar as sementes em algo parecido com chocolate não empolgou, mas a insistência resultou no que hoje ele descreve como uma textura “incrível”, graças à diferença fundamental entre os grãos: enquanto o cacau é metade óleo e metade sólidos, o cupuaçu é 80% óleo, o que dá ao cupulate uma cremosidade natural — e o bônus de não conter cafeína nem teobromina.
Uma barra de cupulate da Amma.
César de Mendes, da De Mendes, teve um caminho parecido, mas com uma dose maior de ceticismo. Conhecedor profundo da cadeia do cacau nativo, ele via o cupulate como algo sem identidade, fadado a ser comparado negativamente ao chocolate. Até que provou uma bebida feita com cupulate preparada pela associação de mulheres Amabela, às margens do Tapajós. Ali, encontrou um sabor que finalmente fazia sentido: perfume intenso de cupuaçu, azedinho da polpa, lembranças claras da floresta. A partir daí, adaptou a receita tradicional e trouxe ao mercado um cupulate que muitos clientes — segundo o que ele falou à BBC — acabam preferindo ao chocolate.
Cupulate cumprimenta
O desafio, no entanto, vai muito além de conquistar paladares. A distribuição ainda é restrita a e-commerces, lojas especializadas e alguns supermercados independentes. E, mais importante: o cupulate precisa se firmar como algo próprio, não como o “chocolate diferente”. Essa diferenciação é crucial não só para marketing, mas para construir uma cultura de consumo capaz de sustentar um crescimento real. Ou seja, o cupulate precisa se apresentar aos consumidores — algo que o açaí conseguiu de forma explosiva.
E é impossível ignorar a comparação com o outro “primo”. Nas últimas décadas, o açaí saiu das margens dos rios amazônicos para virar um fenômeno global. Entre 2011 e 2021, as exportações do Pará cresceram 14.380%, saltando de 41 para quase 6 mil toneladas. O cupuaçu, por sua vez, teve produção muito mais modesta: 21 mil toneladas em 2017, gerando cerca de R$ 55 milhões — números que, mesmo com variações anuais, ficam muito distantes do impacto econômico do açaí.
Ainda assim, quem está investindo no cupulate vê o futuro com otimismo. Badaró afirma que o produto “já se provou” ao longo de quase uma década de mercado. E não é só o aspecto comercial que importa: o cupuaçu está no centro de iniciativas que buscam transformar a Amazônia por meio da bioeconomia. Projetos como a Amazônia 4.0, liderados pelo climatologista Carlos Nobre, apostam em aliar saberes tradicionais — como o método das mulheres da Amabela — a tecnologias modernas para que comunidades produzam, processem e comercializem derivados da floresta com alto valor agregado.
O cupulate, porém, enfrenta uma barreira cultural: competir simbolicamente com o chocolate, um produto com um século de consumo global massivo. Para César de Mendes, a solução é clara: parar de tentar parecer chocolate. “Se for feita essa aproximação, vai ser muito difícil evoluir”, diz. A chave, segundo ele, é apresentar o cupulate como algo novo, com personalidade própria — um sabor que pertence à Amazônia e que só ela pode oferecer.
Créditos de imagem: BBC/Getty Images, Amma Chocolate
Ver 0 Comentários