"Acho falta de educação ligar para o celular sem avisar. Se não for uma emergência (e não forem meus pais), não me ligue. Temos o WhatsApp por um motivo."
Este tweet de @thaissotillo viralizou há alguns dias e gerou respostas de todos os tipos, mas com a sensação de que se trata de uma questão geracional: em algum momento, especialmente para quem nasceu no final dos anos 90, as ligações telefônicas – o gesto mais básico de um telefone – se tornaram uma violação do protocolo social.
A questão geracional não explica muita coisa: o interessante não é o que a garota prefere, mas por que uma ligação não solicitada agora parece uma intrusão.
Uma mensagem de WhatsApp te dá tempo. Você lê, pensa, decide, escreve, apaga, reescreve. Você decide se quer soar mais afável ou mais incisiva. Dez segundos extras para construir uma versão melhor de si mesma.
Uma ligação te tira essa possibilidade. Ela te força a ser você mesma, sem filtros, agora. É por isso que te deixa desconfortável. "É outra forma de evitar o confronto direto", explica Alejandra de Pedro, psicóloga da saúde geral. "Uma conversa constrangedora sempre se torna menos constrangedora quando tenho tempo para processar o que quero dizer e como."
Todos nós construímos um estilo de vida baseado no direito de nos editarmos antes de sermos vistos. De Pedro afirma que muitas pessoas filtram suas conversas importantes pela inteligência artificial: "Escreva isso para mim, mas de uma forma mais assertiva". Perdemos a capacidade de comunicação direta enquanto ganhamos recursos para evitá-la.
Mas há algo mais. A chamada não exige apenas que você seja você mesmo. Exige que você seja você mesmo agora.
Vivemos em um mundo assíncrono. Trabalhamos com pessoas em quatro fusos horários diferentes, assistimos a séries quando queremos, respondemos e-mails entre reuniões. Nesse contexto, parece que tudo pode esperar.
A chamada quebra essa ilusão. É uma exigência de sincronia, uma forma de dizer a nós mesmos: "falamos agora ou não falamos" e isso, em uma cultura onde adiar é um direito conquistado, parece obsceno. É por isso que as mensagens de voz se popularizaram: elas transformam a experiência da chamada em algo assíncrono, dando tempo para pensar nas respostas.
"Os jovens entenderam que ser acessível não é o mesmo que estar disponível", diz De Pedro. "Eles praticam mais o estabelecimento de limites. Mas também é possível ir longe demais, e estamos caminhando para uma sociedade um pouco mais individualista."
As exceções ainda fazem parte do contexto: os pais, por exemplo, ainda podem ligar sem avisar. Não porque sejam de outra geração, mas porque a família ainda opera sob um código anterior: o da disponibilidade automática. “Você pode me interromper porque é meu pai.”
O resto do mundo perdeu esse privilégio. Agora temos que escrever primeiro, levantar a questão, esperar a confirmação e só então, talvez, ligar. A ligação direta soa como arrogância.
Mudamos a semântica do que significa respeitar o outro. Antes era "eu te dou atenção quando você pede". Agora é "não me peça atenção sem permissão prévia".
Dizemos que ganhamos eficiência, que o WhatsApp evita interrupções desnecessárias, mas o que realmente fizemos foi construir um muro em torno da nossa disponibilidade emocional.
"Tem a ver com adiar tudo o que é desconfortável", diz a psicóloga. "Muito menos tolerância à frustração, às sensações desconfortáveis. Se me sinto desconfortável em atender um amigo que não conheço, então fica mais difícil para mim e eu adio."
A ligação telefônica era o último vestígio de um antigo contrato social: aceitávamos que os outros pudessem precisar de nós em tempo real, sem aviso prévio, sem possibilidade de adiamento. Esse contrato foi quebrado.
Agora todos vivemos atrás de uma caixa postal perpétua. Respondemos quando nos convém, não quando somos necessários. Sentimo-nos mais livres, mais donos do nosso tempo, mais protegidos. O que não sentimos é o que perdemos: o hábito de tolerar o desconforto de aparecer despreparado, de improvisar a proximidade, de aceitar que o outro tem o direito de alterar o nosso dia.
O telefone ainda está no nosso bolso. Mas já não serve para falar. Serve para decidir quando, como e com quem queremos parecer estar a falar.
Imagem em destaque | Xataka
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