A maior rede privada de vigilância veicular dos Estados Unidos, Flock Safety, está em um clima tenso com os norte-americanos após a revelação de que seus dados foram usados por agências federais de imigração para rastrear e reportar pessoas. A empresa, que opera cerca de 90 mil câmeras em mais de 4 mil cidades americanas, teve contratos suspensos ou revistos depois que comunidades descobriram que as informações coletadas poderiam estar sendo usadas sem o devido consentimento.
Nos últimos meses, cidades como Evanston, em Illinois, Austin, a capital de Texas e Longmont, no Colorado, passaram a limitar ou cancelar de vez as parcerias com a empresa após audiências públicas e pressão popular. O motivo? Os dados captados em espaços públicos, originalmente destinados à segurança, estavam sendo acessados sem autorização explícita, trazendo à tona o debate sobre os limites da vigilância e da privacidade.
Imagens de câmeras usadas para vigiar veículos passaram a expor pessoas, rotinas e até crianças em espaços públicos
Embora a Flock seja conhecida principalmente por suas câmeras de leitura de placas (LPR), investigações recentes mostraram que o alcance do sistema vai além de vigiar veículos. O modelo Condor PTZ, por exemplo, foi projetado para rastrear pessoas, usando inteligência artificial para mover a câmera automaticamente, dar zoom e acompanhar indivíduos dentro do campo de visão.
A exposição desse funcionamento veio à tona após uma investigação conduzida pelo influencer e especialista em tecnologia Benn Jordan, em parceria com o site 404 Media. Em um vídeo publicado recentemente no Youtube, Benn demonstrou que as transmissões ao vivo das câmeras da empresa Flock estavam acessíveis publicamente por meio de buscas simples na internet.O grande problema é que essas câmeras estavam sendo instaladas em lugares sensíveis, como em parquinhos infantis. E para piorar: não eram apenas as imagens em tempo real que estavam expostas, mas vídeos arquivados com cerca de 30 dias também.
Um representante da Flock afirmou à A 404 Media que o caso se tratava de uma “configuração incorreta limitada”, corrigida após a denúncia. A sociedade, por outro lado, não engoliu muito bem essa justificativa. Organizações de defesa da privacidade, como a Electronic Frontier Foundation e a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), já vinham alertando que redes de câmeras desse tipo coletam dados em excesso sobre pessoas que não são suspeitas de nenhum crime.
Já em relação a população, a reação saiu do campo técnico e foi para o debate público. Em diversas cidades, moradores passaram a questionar como as câmeras estavam sendo usadas, quem tinha acesso aos dados e quais limites existiam para o compartilhamento das imagens. Audiências públicas lotadas pressionaram governos locais a suspender, limitar ou encerrar contratos com a Flock. Uma outra parte menos paciente da população preferiu resolver o problema com a força bruta, destruindo câmeras do modelo encontradas nas ruas da cidade.
Expansão do monitoramento levanta preocupações sobre falhas, ataques e uso indevido dos dados
Além da exposição de imagens, as câmeras da Flock já foram alvo de críticas por vulnerabilidades técnicas. Isso porque, com acesso físico aos dispositivos, especialistas em tecnologia acreditam que seria possível extrair dados confidenciais, o que amplia ainda mais os riscos
Esses problemas surgem em um momento de expansão da empresa. Em outubro, a Flock anunciou uma parceria com a Ring, da Amazon, permitindo que forças de segurança solicitem imagens gravadas por campainhas inteligentes, uma integração que já havia sido criticada no passado por aproximar demais empresas privadas da polícia.
Esse debate traz à tona uma questão cada vez mais presente no cotidiano digital: dispositivos de vigilância não registram apenas “o que importa”. Assim como câmeras instaladas dentro de casas acabam documentando rotinas inteiras, horários, conversas e comportamentos íntimos, redes de vigilância urbana capturam muito mais do que crimes. Elas registram deslocamentos, rotinas e a presença constante de pessoas que não são suspeitas de nada.
No fim, a tecnologia não decide sozinha como será usada. Mas, uma vez instalada, ela redefine o limite entre segurança e privacidade. E é justamente esse limite que começa a ser questionado.
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