Estamos acostumados a pensar que a história dos microprocessadores começa com o Intel 4004. Mesmo quem não é especialista costuma enxergá-lo como o primeiro grande chip, responsável por inaugurar a era da computação pessoal. Mas essa não é a única história possível.
Houve outro projeto, menos conhecido e fora dos circuitos comerciais, que começou a funcionar antes de o 4004 chegar ao mercado. Ele não surgiu em um computador nem em uma calculadora, mas em um caça F-14 Tomcat. Durante quase trinta anos, permaneceu desconhecido pelo público.
O que aquele avião levava em seu interior era um processador projetado para fazer algo que nenhum chip comercial fazia na época: calcular automaticamente velocidade, altitude e posição das asas enquanto o piloto manobrava. Esse sistema, conhecido como MP944, estava em serviço desde 1970, quando o 4004 ainda não havia sido apresentado. Seu contexto era completamente diferente do da Intel, porque não foi pensado para o mercado nem para ser licenciado, mas para cumprir um requisito de um programa militar marcado pelas tensões da Guerra Fria.
Um microprocessador secreto nas entranhas de um F-14
A novidade não era apenas realizar cálculos, mas fazê-los de forma automática e digital, algo pouco comum em sistemas embarcados do final dos anos 1960. O MP944 processava leituras de sensores, aplicava equações aerodinâmicas e entregava dados que influenciavam no comportamento do avião, reduzindo a carga de trabalho do piloto. Ele não era um assistente passivo, mas um módulo capaz de interpretar essas leituras e fornecer resultados com velocidade suficiente para se integrar ao controle de voo real. Por isso, foi considerado uma tecnologia à frente de seu tempo.
Documentos que saíram da confidencialidade nos anos 1990 mostram que o MP944 combinava tecnologia MOS avançada com uma arquitetura paralela de 20 bits capaz de executar cálculos em pipeline, algo pouco comum para a época. Sua frequência era de 375 kHz e ele podia processar operações matemáticas específicas com eficiência suficiente para integrar sistemas reais de controle de voo. Segundo os números reunidos no trabalho de Holt e na análise posterior do Tom’s Hardware, esse desempenho colocava o MP944 claramente à frente do 4004 em número de instruções executadas, embora nunca tenha sido pensado como um chip comercial de uso geral. Eram dois enfoques distintos: um para um avião militar e outro para um dispositivo comercial.
Quando o trabalho de Holt veio a público décadas depois, ele defendeu que o MP944 deveria ser considerado o primeiro microprocessador, mesmo não estando em um único chip, nem tendo sido comercializado. Engenheiros da Intel, como Ted Hoff e Federico Faggin, discordaram e argumentaram que o 4004 foi o primeiro a integrar todas as funções essenciais de uma CPU em uma única peça de silício e com uso generalista. Russell Fish, ex-engenheiro da Motorola, revisou a documentação do MP944 e o classificou como um microprocessador avançado para sua época, enquanto Richard Belgard o via como um sistema excessivamente específico, pensado apenas para manter um avião em voo.
Holt sustentava que a razão pela qual ninguém conheceu o MP944 durante anos era o fato de seu trabalho ter sido classificado e sujeito a restrições militares. Ele afirmava ter passado décadas solicitando a liberação dos documentos e que só conseguiu isso quando, em 1997, obteve o apoio da congressista Zoe Lofgren para que a Marinha autorizasse sua publicação.
Com os documentos disponíveis, a Marinha suavizou essa versão e afirmou que o trabalho de Holt, na verdade, não estava classificado — o que faltava era a autorização da empresa para liberar os registros. A Garrett AiResearch admitiu que já não sabiam ao certo o que havia acontecido, porque as pessoas que haviam gerenciado o caso não estavam mais na companhia.
Quando a informação se tornou pública, Russell Fish afirmou que o MP944 era tão avançado para sua época que, se tivesse sido conhecido, poderia ter acelerado o desenvolvimento do setor em até cinco anos. Já os criadores do 4004, como Federico Faggin e Stan Mazor, discordaram abertamente e afirmaram que o mérito do microprocessador comercial foi integrar todos os elementos essenciais em um único chip e torná-lo viável para múltiplas aplicações. Richard Belgard suavizava essa disputa: reconhecia o valor técnico do MP944, mas o via como um sistema projetado para um único propósito, sem potencial para abrir um mercado próprio.
O debate sobre qual foi o primeiro microprocessador não se resolve com uma data, e sim com uma definição. O 4004 foi o primeiro a chegar ao mercado como chip comercial, integrado e programável, e esse mérito explica seu lugar nos manuais. O MP944, por outro lado, foi o primeiro a demonstrar que era possível processar dados digitalmente e alimentar sistemas de controle em tempo real, ainda que fizesse isso escondido dentro de um avião e fora do espaço público. Um inaugurou uma indústria; o outro antecipou capacidades. Ambos representaram formas diferentes de entender o que podia ser um microprocessador.
Imagens | DVIDS (1, 2, 3) | Thomas Nguyen
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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