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O “RG ocular” de Sam Altman pretendia escanear um bilhão de olhos; não alcançou nem 2% disso

A ideia de Altman de criar uma identificação digital por meio da íris enfrenta uma série de dificuldades

World, de Sam Altman / Imagem: Divulgação
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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O World, o ambicioso projeto de Sam Altman para verificar a identidade humana por meio de escaneamentos de íris, conseguiu registrar 17,5 milhões de pessoas desde seu lançamento público em 2023. Um número que, embora possa parecer impressionante, representa apenas 2% de sua meta inicial de um bilhão de usuários.

A ideia de Altman era criar uma rede global de identidade digital (uma espécie de RG) verificada por biometria ocular. Para isso, os usuários precisam se apresentar diante de um dispositivo esférico chamado Orb, que escaneia sua íris e gera um código digital único, o World ID. Em troca, eles podem acessar um aplicativo com diversos serviços e também recebem tokens da criptomoeda Worldcoin, que atualmente vale cerca de 60 centavos de euro por unidade.

"Ele está criando a doença, mas também quer criar a cura", afirmou um ex-funcionário da empresa ao site Business Insider.

Regulamentação

O projeto esbarrou em uma barreira de rejeição institucional. Como aponta o veículo, Espanha, Hong Kong, Portugal, Indonésia, Alemanha e Brasil impuseram vetos, suspensões ou medidas cautelares, enquanto, no Quênia, ele foi proibido um mês após o lançamento. As autoridades alemãs concluíram no ano passado que as medidas de proteção de dados “não seriam suficientes para implementar um nível adequado de segurança diante de cibercriminosos ou agentes estatais”.

Em outubro, as Filipinas emitiram uma ordem de paralisação, a Colômbia ordenou interromper as operações e apagar dados e a Tailândia realizou batidas e prendeu suspeitos por operarem um negócio de ativos digitais sem licença, segundo o Business Insider. Por outro lado, o Ministério da Segurança do Estado da China alertou que coletar dados de íris para criptomoedas poderia representar uma ameaça à segurança nacional.

Além dos obstáculos legais, alguns especialistas consultados pelo Business Insider questionaram a viabilidade do projeto. Nick Maynard, vice-presidente de pesquisa fintech da Juniper Research, afirmou: “não vejo um caso de uso definitivo que eles tenham resolvido e que vá gerar uma grande tração. Eles precisam de um propósito real para existir, e isso ainda não está totalmente claro”.

A estrutura corporativa também é complexa, pois a Tools for Humanity (com sede em São Francisco e Munique) desenvolve a tecnologia; a World Foundation, nas Ilhas Cayman, controla o projeto; e a World Assets Limited, nas Ilhas Virgens Britânicas, administra a distribuição dos tokens. Até o momento, a empresa arrecadou 240 milhões de dólares de investidores como Andreessen Horowitz, Bain Capital e Khosla Ventures, com uma avaliação de 2,5 bilhões de dólares.

A estratégia de expansão

Segundo ex-funcionários que entraram em contato com o Business Insider, a empresa adotou uma estratégia agressiva de crescimento em mercados emergentes, priorizando países onde a promessa de criptomoedas gratuitas gerava tração entre populações economicamente vulneráveis. No México, os operadores locais tinham que arcar com a maior parte dos custos dos espaços de escaneamento, embora a Tools for Humanity pagasse o aluguel por um ano. Na Argentina, organizadores externos chegaram a enviar ônibus com pessoas que viajavam para serem escaneadas em troca de dinheiro.

World

Luis Ruben De Valadéz, que trabalhou como chefe de operações no México, contou ao veículo que precisou reunir cerca de 100.000 pesos mexicanos (aproximadamente R$ 30 mil) com familiares e amigos para abrir sete lojas na Cidade do México. Segundo relatou, os operadores independentes recebiam comissão em Worldcoin e era comum surgirem casas de câmbio perto das estações de Orbs onde os usuários trocavam imediatamente seus tokens por dinheiro vivo.

A empresa não cobra dos usuários para acessar suas plataformas e seu CEO, Alex Blania, prometeu que ela não se tornará intermediária de dados. Conforme se sabe, a empresa obtém receita por tarifas de verificação (World ID fees) quando aplicativos externos utilizam seus serviços. Também ganha dinheiro por meio de um programa que permite alugar ou comprar Orbs próprios, além de comissões de processamento na blockchain World Chain.

No entanto, um ex-funcionário revelou ao veículo que a empresa expressou dúvidas sobre se essas tarifas seriam suficientes para gerar lucro sozinhas, indicando que o futuro financeiro dependeria principalmente da continuidade dos aportes dos investidores. “Tenho dificuldade em enxergar isso como um negócio. Não há incentivo para comprar ou alugar um Orb além de ganhar dinheiro escaneando um monte de olhos e, para os usuários, o incentivo é apenas obter mais moedas”, comentou Martha Bennett, vice-presidente e analista principal da Forrester, ao Business Insider.

Aposta por alianças. Para acelerar o crescimento, a World anunciou parcerias com empresas já estabelecidas. Há um programa piloto com o Match Group para verificar usuários do Tinder no Japão, além de acordos com Stripe, Visa e a empresa de games Razer. Segundo informou o Semafor, o Reddit também esteve em conversas para usar seus serviços de verificação.

Nikhil Bhatia, professor de finanças na Universidade do Sul da Califórnia e especialista em criptomoedas, afirmou ao Business Insider que “é difícil enxergar algo que é uma cripto com uma capitalização de mercado de 2 bilhões como algo além de experimental ou uma moda passageira. A Worldcoin não é, de maneira alguma, uma competidora como moeda ou ativo frente ao dólar ou ao Bitcoin”.

E agora? A empresa anunciou sua intenção de alcançar 100 milhões de registros durante o próximo ano, segundo fontes citadas pelo New York Post. Mas o caminho está cheio de incertezas. Se continuar exigindo que as pessoas compareçam fisicamente a seus escritórios para escanear seus olhos, a escalabilidade pode se tornar complexa. E, se persistirem os problemas regulatórios nos mercados mais populosos do mundo, a situação ficará ainda mais difícil para a empresa.

A World enfrenta algo comum em muitos projetos tecnológicos: apesar de ter uma visão futurista ambiciosa e capital de sobra, não parece ter um produto que resolva um problema imediato para a maioria dos usuários, nem um modelo de negócio claramente rentável. Por enquanto, ainda falta convencer muita gente.

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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