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A Rússia lançou seu míssil hipersônico Zircon às portas da OTAN; e acompanhou o lançamento com um vídeo para dissipar qualquer dúvida

A combinação do Zapad 2025, do lançamento do Zircon e das incursões de drones pinta um quadro de crescente instabilidade na Europa Oriental

Imagem de capa | Russian Defence Ministry, Минобороны РФ
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Fabrício Mainenti

Redator

Há apenas uma semana, a Rússia lançou o maior desafio à Europa desde o início da invasão da Ucrânia, quando um enxame de drones invadiu o espaço aéreo polonês. A resposta europeia foi contundente, mas ninguém poderia deixar de notar que isso acontecia às vésperas do Zapad 2025, os exercícios militares que Moscou compartilha com a Bielorrússia e que representam outra dor de cabeça.

Quanto? Por exemplo, do tamanho de um míssil hipersônico.

Uma demonstração de poder

A Rússia enviou uma mensagem inequívoca de força no âmbito dessas manobras conjuntas. Da fragata Admiral Golovko, posicionada no Mar de Barents, o país divulgou imagens do lançamento de seu míssil hipersônico 3M22 Zircon, capaz de atingir alvos a mil quilômetros e viajar a Mach 9. O míssil atingiu seu alvo com sucesso, de acordo com o Ministério da Defesa russo, reforçando a narrativa de que, apesar das enormes perdas acumuladas ao longo de mais de três anos de guerra na Ucrânia, ainda possui capacidades estratégicas que poucos rivais podem neutralizar.

O vídeo também mostrou a participação de caças-bombardeiros Sukhoi Su-34, capazes de transportar até oito toneladas de armas e cobrir longas distâncias sem reabastecimento. A inclusão de armas tão potentes em um exercício realizado a poucos quilômetros das fronteiras da OTAN foi interpretada como uma provocação calculada, e não como um simples ensaio defensivo.

Zircon e seu uso na Ucrânia

O Zircon, juntamente com o Kinzhal, é um dos mísseis hipersônicos que a Rússia tem utilizado em ataques contra a Ucrânia. Sua combinação de extrema velocidade e manobrabilidade limitada o torna um alvo virtualmente impossível para os atuais sistemas de defesa aérea, gerando uma sensação de vulnerabilidade tanto nas cidades ucranianas, quanto nos países vizinhos.

Embora seu uso operacional permaneça limitado, o uso generalizado de seu impacto em um exercício naval busca reafirmar a superioridade tecnológica da Rússia em uma área (hipersônica) para a qual a OTAN ainda carece de respostas claras. O sinal é evidente: a Rússia mantém a iniciativa no campo das armas de próxima geração e quer demonstrar isso justamente no perímetro onde a Aliança concentra seu flanco mais sensível.

Zircon versus China e EUA

O míssil russo é um HCM naval que, voando baixo com um scramjet, executa perfis terminais de alta energia adequados para atingir navios e, a priori, certos alvos terrestres. Seu calcanhar de Aquiles não é tanto o míssil em si, mas o alvo além do horizonte, que requer sinalização confiável por satélite/aeronave/HELO/UAV.

Em contraste, o DF-17 chinês utiliza um planador hipersônico em um propulsor balístico para contornar as defesas com manobras de longo alcance, enquanto o DF-27 estende o alcance estratégico com tempos de planeio mais longos. Por sua vez, os Estados Unidos buscam uma combinação: HACM (ar-respirado, integrado a caças) para ataques rápidos em teatros de operações e CPS (glide-body comum com o Exército) para ataques convencionais de longo alcance a partir de plataformas marítimas furtivas.

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Zircon versus o Velho Continente

A Europa está acelerando a tecnologia de planadores (França) e priorizando a interceptação em fase de planeio com o GPI. Na interceptação, o Aegis/SM-6 oferece a única capacidade ocidental "de prontidão" atualmente (limitada e altamente dependente da geometria), enquanto o GPI busca "atingir" o planador antes mesmo que ele tenha descido para sua velocidade terminal, aumentando a janela de sucesso.

Seja como for, em todos os casos, a chave não é apenas o míssil: é a cadeia de sensores, o link de dados e a latência de decisão para completar o ciclo "find-fix-track-target-engage-assess" ("encontrar-fixar-rastrear-alvo-engajar-avaliar", em tradução livre) antes que o vetor cruze o limiar sem retorno.

Sobre drones e como responder

Como mencionamos no início, o lançamento do Zircon coincidiu com um aumento da tensão após as incursões de drones russos no espaço aéreo da Polônia e da Romênia, membros da OTAN. Em 10 de setembro, Varsóvia denunciou a entrada de pelo menos 19 aeronaves, abatidas por caças aliados, no que descreveu como uma "violação sem precedentes" e uma "provocação em larga escala". Três dias depois, um drone russo foi detectado sobre o território romeno, reacendendo os alarmes.

A Polônia invocou o Artigo 4 do Tratado do Atlântico Norte, que estabelece um mecanismo para consultas urgentes entre os parceiros para acordar medidas conjuntas. Esse debate levou à Operação Sentinela Oriental, que inclui o envio de caças avançados, defesas antimísseis e reforços militares para a Europa Oriental. A OTAN reagiu rapidamente, ciente de que a escalada de provocações, mesmo sem danos diretos, representa um desafio direto à sua credibilidade como garantidora da segurança.

Provocação ou acidente

Os relatos sobre as incursões variam. Moscou sustenta que os drones não tinham como alvo a Polônia e podem ter se desviado, enquanto a Bielorrússia sugere erros de trajetória. No entanto, tanto a OTAN, quanto os Estados Unidos acreditam que foram lançamentos deliberados, com o objetivo de testar a paciência dos aliados e avaliar as respostas ocidentais.

O Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, classificou os incidentes como "inaceitáveis, lamentáveis ​​e perigosos". A contradição entre as justificativas russas e as reações contundentes do Ocidente reforça a percepção de que se tratou de um teste de pressão política e não de um erro técnico.

Um cenário instável

Assim, a combinação dos exercícios Zapad 2025, o lançamento do Zircon e as incursões de drones no espaço da OTAN pintam um quadro de crescente instabilidade na Europa Oriental. Embora Rússia e Bielorrússia insistam na natureza defensiva de suas manobras, a localização dessas operações e a natureza das armas utilizadas transmitem o oposto: um desejo de intimidar e demonstrar que o Kremlin mantém a capacidade de desafiar a OTAN em suas próprias fronteiras.

O resultado aponta para um novo ciclo de tensão, onde cada gesto militar assume um significado político imediato e onde a possibilidade de incidentes não planejados (embora com potencial de escalada) se multiplica perigosamente.

Imagens | Ministério da Defesa da Rússia

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