Se alguém ainda tinha dúvidas de que o Caribe voltou a ser peça-chave no xadrez geopolítico das Américas, a decisão de Trindade e Tobago ajuda a dissipar qualquer ilusão. O governo do país autorizou oficialmente o uso de seus dois principais aeroportos internacionais — Piarco e Arthur NR Robinson — por aeronaves militares dos Estados Unidos nas próximas semanas. No discurso oficial, trata-se de logística, cooperação bilateral e segurança regional. Na prática, é muito mais do que isso.
A autorização chega em um momento especialmente sensível. A Casa Branca acaba de divulgar sua Estratégia de Segurança Nacional para 2025, documento que deixa claro o interesse dos EUA em ampliar sua presença militar no entorno da Venezuela, sob a justificativa de conter migração irregular, tráfico de drogas e instabilidade regional. Trindade e Tobago, a poucos quilômetros da costa venezuelana, surge como um ponto de apoio extremamente estratégico.
O governo local tenta não criar faíscas. O Ministério das Relações Exteriores descreve as operações como “de natureza logística”, focadas em reabastecimento e rotação de pessoal. A primeira-ministra Kamla Persad-Bissessar reforça o discurso de cooperação e segurança compartilhada. Ainda assim, os fatos contam outra história. Nos últimos meses, a presença americana no país deixou de ser discreta: exercícios militares conjuntos, o envio do destróier USS Gravely e, talvez mais simbólico, a instalação de um sistema avançado de radar no aeroporto Arthur NR Robinson.
Esse radar, segundo o governo local, já rendeu resultados expressivos, como a apreensão de uma embarcação não tripulada carregada com o equivalente a R$ 927 milhões em maconha. O argumento do combate ao narcotráfico, portanto, não é vazio. Mas ele também funciona como uma cortina de fumaça conveniente para uma movimentação militar bem mais ampla.
Do outro lado do tabuleiro está a Venezuela. A relação entre Washington e Caracas vive um de seus momentos mais tensos. Revelações de que Donald Trump autorizou operações secretas da CIA dentro do território venezuelano reacenderam temores de uma escalada direta. Segundo fontes americanas, o Pentágono já apresentou opções que vão desde ataques pontuais a pistas de pouso até operações terrestres, sempre sob a narrativa de que o regime de Nicolás Maduro mantém vínculos com o narcotráfico.
O problema é que essa narrativa começa a se chocar com dados concretos. Relatórios recentes das Nações Unidas indicam que a Venezuela praticamente não participa do fluxo de fentanil — a droga que mais mata nos EUA — e que a cocaína consumida pelos americanos vem majoritariamente de outros países sul-americanos. Ainda assim, o discurso de “guerra ao narcotráfico” segue sendo usado para justificar ações cada vez mais agressivas no Caribe e no Pacífico.
Internamente, a estratégia também divide os Estados Unidos. Pesquisas mostram que a maioria da população é contrária ao uso das Forças Armadas para matar suspeitos sem julgamento, crítica reforçada por juristas e pela ONU, que classifica algumas dessas ações como execuções extrajudiciais.
Dessa forma, a autorização concedida por Trindade e Tobago não é um detalhe burocrático nem um gesto isolado de cooperação. É um movimento que reposiciona a região no centro de uma disputa maior, em que aeroportos, radares e “operações logísticas” servem como peças silenciosas de uma estratégia muito mais ambiciosa. No Caribe de hoje, definitivamente, não se trata de turismo.
Crédito de imagem: Xataka Brasil
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