Há quase quatro anos, a Alemanha aprendeu uma lição dolorosa: sua indústria não pode depender da energia de um rival geopolítico. A crise do gás russo, após a invasão da Ucrânia, obrigou os alemães a fazerem mais de um sacrifício, transformando o modelo energético do país. Agora, às vésperas de 2026, o governo de Friedrich Merz enfrenta um déjà vu perturbador.
O mesmo erro duas vezes
A Alemanha pode ter se libertado dos gasodutos da Gazprom, mas seus painéis solares e tecnologia de rede carregam, direta ou indiretamente, a marca da China. Pois bem, Berlim acaba de frear. O colapso de uma transação financeira aparentemente inócua na semana passada revelou que a Alemanha está examinando minuciosamente cada watt que entra em seu sistema para evitar repetir o erro histórico do gás russo.
O gatilho
A empresa italiana Snam SpA pretendia adquirir uma participação minoritária na Open Grid Europe (OGE), uma das maiores operadoras de redes de gás da Alemanha. No papel, era um investimento entre parceiros europeus. Na prática, o Ministério da Economia alemão viu a sombra de Pequim. O problema não era a Snam, mas sim seus acionistas.
A estatal chinesa State Grid Corporation detém 35% da Cassa Depositi e Prestiti, que por sua vez possui um terço da Snam. Para o governo Merz, isso já era risco suficiente. Diante da recusa de Berlim em aceitar as soluções propostas, a Snam retirou sua oferta na semana passada.
Uma mensagem clara
Berlim não quer que empresas com participação estatal chinesa tenham acesso às principais vias de energia do país, nem mesmo indiretamente, marcando uma mudança de doutrina em relação à era Olaf Scholz, que na época permitiu que a empresa de navegação chinesa Cosco operasse no porto de Hamburgo. O governo atual é muito mais defensivo: a segurança nacional tem prioridade sobre o capital. A questão é...
Tarde demais?
Embora bloquear a compra de uma rede de gás seja relativamente simples, desfazer a dependência tecnológica da China é um pesadelo logístico e econômico. 95% das células fotovoltaicas instaladas na Alemanha são de fabricantes chineses e quase toda a indústria de energia eólica, especialmente a eólica offshore, depende de elementos de terras raras controlados pela China.
A transição energética da Alemanha depende de equipamentos asiáticos. A Alemanha precisa da tecnologia chinesa para atingir suas metas climáticas e não esconde isso. O governo alemão já expressou essa preocupação em fóruns internacionais, denunciando a supercapacidade da China em setores como mobilidade elétrica e energia solar. Tecnologia de que precisa, mas que agora considera um "risco sistêmico".
Será possível o desacoplamento?
Em 2018, o governo alemão já teve que intervir para garantir que o banco estatal KfW adquirisse uma participação na operadora de rede 50Hertz, impedindo que ela caísse, mais uma vez, nas mãos da estatal chinesa State Grid. Sete anos depois, a estratégia de "remendar" aquisições pontuais parece insuficiente diante da dependência estrutural.
Se a experiência com a Rússia serve de guia, Berlim parece ter decidido que, desta vez, o preço da segurança deve ser pago antecipadamente, antes que alguém decida cortar o fornecimento. Mas hoje, a realidade do mercado é inflexível: substituir equipamentos chineses quase invariavelmente significa pagar mais e levar mais tempo para implantar energias renováveis.
Imagem | Rawpixel
Ver 0 Comentários