A classe média sempre foi tratada como aquela base sólida que mantém o mundo girando: consome, trabalha, estuda, compra casa, planeja o futuro e, no processo, sustenta economias inteiras. Mas, enquanto governos discutem inflação, juros e crescimento do PIB, algo mais profundo e preocupante vem acontecendo em ritmo acelerado: esse grupo está encolhendo — e bem rápido. Em vários lugares, ele já não é mais o “meio” da pirâmide, mas uma faixa estreita, pressionada de todos os lados.
O cenário se repete como um déjà-vu global. Na Alemanha, a classe média caiu de 70% para menos de 64% em três décadas — um declínio discreto, mas que reescreve a identidade do país. O famoso Mittelstand, símbolo de estabilidade e empregos para toda a vida, perdeu fôlego frente à automação e à terceirização. Em Berlim e Munique, aluguéis impraticáveis expulsam famílias para cada vez mais longe dos centros urbanos. É a classe média sendo empurrada para as margens — literalmente.
Nos Estados Unidos, o tombo é ainda mais dramático: de 61% para apenas 50% desde 1971. Mesmo em momentos com grande oferta de emprego e bolsas estáveis, muitos vivem uma vida de “classe média aspiracional”: pagam caros planos de saúde, lutam para pagar a faculdade dos filhos e são derrubados com facilidade por qualquer emergência. A prosperidade parece próxima, mas nunca ao alcance.
E como isso afeta o Brasil?
Por aqui, o avanço dos anos 2000 virou retração. Entre 2019 e 2022, milhões de famílias caíram para faixas de renda mais baixas — como se uma década de progressos tivesse sido apagada com um golpe só. A soma de fatores como pandemia, inflação, juros e estagnação salarial colocou o país em uma situação onde a estabilidade financeira era quase que uma aposta (ou bet, no caso). As coisas parecem estar melhorando — e a mudança do imposto de renda é um sinal —, mas ainda há muito o que ser feito.
Do outro lado do mundo, China e Índia mostram que crescimento econômico não significa estabilidade. A crise imobiliária chinesa e o movimento “lie flat” refletem jovens desistindo de competir por um futuro que parece inalcançável — especialmente quando o preço médio de um imóvel chega a 57 vezes o salário anual. Já na Índia, uma classe média numerosa, mas vulnerável, vive sem contratos formais, proteção social ou margem para imprevistos.
O desaparecimento da classe média não é só um problema econômico: é um alerta civilizatório. Países como Suécia, Canadá e Coreia do Sul mostram que dá para resistir — com políticas públicas sólidas, serviços acessíveis e distribuição mais justa da riqueza. Mas, sem isso, o risco é claro: sociedades mais tensas, mais desiguais e com menos mobilidade social.
Crédito de imagem: Cris Faga/NurPhoto via Getty Images
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