O brilhantismo da automação de muitas lojas em Tóquio tem um segredo: mãos humanas conectadas a partir das Filipinas

  • Robôs trabalham sozinhos, mas dependem de operadores em Manila quando falham.

  • Realocação reduz custos e amplia a lacuna de mão de obra.

  • Dados humanos estão treinando a próxima geração de IA.

Imagem | Teleexistence
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PH Mota

Redator
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PH Mota

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Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

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A milhares de quilômetros do Japão, em um prédio comercial no distrito financeiro de Manila, um grupo de jovens guarda o interior de lojas onde nunca estiveram. À sua frente, monitores mostram os movimentos de braços robóticos que colocam bebidas em prateleiras refrigeradas. São os mesmos robôs que muitos clientes japoneses acreditam ser totalmente autônomos. Na realidade, a aparente independência dessas máquinas depende de operadores filipinos que, conectados pela internet, corrigem os erros. Quando uma lata cai, são eles que retomam o controle.

Os robôs que abastecem as prateleiras das lojas japonesas funcionam de forma independente quase o tempo todo. Mesmo assim, às vezes falham. Quando uma bebida escorrega ou um recipiente é colocado incorretamente, um operador de Manila coloca um headset de realidade virtual e retoma o controle. Em poucos minutos, move o braço robótico com precisão até que o erro seja corrigido. Essas intervenções são específicas, representando cerca de 4% das operações, mas garantem que tudo continue funcionando sem que ninguém perceba do outro lado do balcão.

Quando os robôs cometem erros, são os humanos que os salvam

O funcionamento desse sistema depende de uma aliança peculiar entre empresas dos dois países. A Teleexistence, com sede em Tóquio, projeta e gerencia os robôs que operam nas lojas japonesas, utilizando plataformas da Microsoft e da Nvidia. De Manila, a Astro Robotics opera a sala de controle, onde técnicos monitoram e auxiliam as máquinas. É um exemplo de como as redes varejistas mantêm suas operações em funcionamento em Tóquio graças a uma combinação de robótica, conectividade e trabalho remoto.

Localizado no centro dessa operação, o modelo TX SCARA é um braço robótico compacto e rápido, criado para manusear bebidas nos estreitos armazéns das lojas japonesas. O sistema analisa os dados de vendas para decidir quais produtos repor a qualquer momento. Se ocorrer um erro, ele alterna para o modo de teleoperação.

A implantação desses robôs começou em 2022 e, desde então, sua presença se multiplicou nos estabelecimentos comerciais japoneses. O que começou como um teste controlado é hoje um sistema operacional estável que mantém os refrigeradores abastecidos sem interrupções. A adoção responde a uma necessidade clara: o Japão enfrenta uma escassez crônica de mão de obra no setor varejista, agravada pelo envelhecimento da população. Nesse cenário, a automação tornou-se uma estratégia para manter o serviço sem aumentar a força de trabalho humana.

Robô

Enquanto o Japão se vangloria de automação avançada, parte de sua "eficiência" é sustentada por trabalhadores filipinos que recebem entre US$ 250 e US$ 315 ( de R$ 1,3 a R$ 1,6 mil) por mês, segundo o Rest of World. É o mesmo valor que um atendente de call center ganha, mas com tarefas muito mais técnicas e exigentes. Para as empresas japonesas, o modelo é ideal: robôs que não pedem pausas e operadores remotos que custam uma fração do salário mínimo local. A inovação, neste caso, também externaliza a desigualdade.

O trabalho dos operadores em Manila pode parecer simples, mas tem suas complexidades. Cada um monitora dezenas de robôs simultaneamente e precisa reagir rapidamente quando algo dá errado. A pressão para manter o fluxo constante é alta, e os turnos são longos diante de várias telas. Além disso, o uso do capacete de realidade virtual pode causar tontura e desorientação após alguns minutos de uso. Tudo isso, segundo um funcionário que falou com o RoW.

Robô

Cada movimento feito pelos operadores em Manila não só mantém o sistema funcionando, como também ensina os robôs a serem mais autônomos. A Telexistence coleta esses dados de teleoperação para aprimorar os modelos de inteligência artificial que controlam o TX SCARA. As informações são usadas para melhorar a coordenação, a preensão e a capacidade de resposta das máquinas. Em junho, a empresa anunciou uma colaboração com a startup americana Physical Intelligence para desenvolver modelos fundamentais que forneçam aos robôs uma “inteligência física” mais semelhante à dos humanos.

A ascensão da automação não se limita ao Japão. Em escala global, o setor avança com uma velocidade sem precedentes. O mercado dos chamados “agentes de inteligência artificial” — programas capazes de agir autonomamente — poderá multiplicar-se por oito e atingir quase 43 bilhões de dólares em 2030, segundo projeções da consultoria MarkNtel Advisors.

O que podemos observar é que a demanda global por mão de obra tecnológica parece estar colocando as Filipinas em uma posição estratégica. Um relatório da Penbrothers observa que empresas locais buscam talentos técnicos de baixo custo para projetos de inteligência artificial, automação e robótica. Profissionais locais têm acesso a empregos mais qualificados, mas continuam ganhando menos do que seus colegas nos Estados Unidos ou na Europa.

O próximo passo será observar até onde essa colaboração entre humanos e máquinas chegará. A Teleexistence planeja expandir o número de lojas conectadas e aprimorar a autonomia de seus robôs, enquanto experimenta novos sistemas de preensão e manipulação. Também será necessário observar como evolui a porcentagem de intervenção humana, ainda necessária em parte das operações. Outro ponto crucial será o processamento dos dados gerados em Manila, que alimentam os modelos de inteligência artificial e levantam questões sobre privacidade e propriedade da informação.

Imagens | Teleexistence

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