Houve um tempo em que o Japão era líder em trens de alta velocidade: agora foi ultrapassado pela China, vítima de seus próprios problemas internos

  • Entrada de trem de alta velocidade em túnel cria efeito de vácuo ao seu redor, causando mudança na pressão

  • Quanto maior a velocidade, mais complexo é garantir que efeitos não causem problemas aos passageiros

Imagem | Rikku Sama
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PH Mota

Redator
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Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

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De forma resumida, o pistão em um motor de quatro tempos é responsável por movimentar o ar interno para comprimi-lo e facilitar a combustão do combustível, ou para expulsá-lo da câmara de combustão. Em outras palavras, ele move o ar para cima ou para baixo.

Agora imagine um trem entrando num túnel a mais de 300 km/h. De repente, o trem passa de estar do lado de fora para mover o ar dentro do túnel, empurrando-o para o fundo. Seu movimento seria muito semelhante ao de um pistão. O trem se move em linha reta e o túnel ao seu redor se comporta como uma câmara de combustão.

Não parece ser um problema se pensarmos que o ar é simplesmente empurrado para a saída, onde é liberado. Nem é um problema se suas linhas de alta velocidade passarem por uma ponte com mais de 100 quilômetros de comprimento.

Mas se você mora em um país montanhoso e fez do transporte ferroviário seu principal meio de transporte para deslocar milhões de pessoas a centenas de quilômetros por hora, então sim, você tem um problema. Porque o efeito pistão é pura física, e superá-lo para ganhar velocidade não é fácil.

Quando o Japão era o melhor?

Em 1964, o primeiro Shinkansen que ligava Tóquio a Osaka começou a operar no Japão, impulsionado pelos Jogos Olímpicos na capital japonesa. Naquela época, as duas cidades eram ligadas por um trem que atingia velocidades de até 210 km/h, tornando-se a primeira linha ferroviária de alta velocidade do mundo.

Mais de 60 anos depois, o Japão não é mais o país com a maior extensão de ferrovias de alta velocidade do mundo. Esse título agora pertence à China. Isso faz sentido, dado o vasto tamanho do país; se investisse nesse meio de transporte, acabaria ultrapassando seu vizinho. Mas não só os chineses: até mesmo a Espanha também ultrapassou o Japão nesse quesito anos atrás.

A China está transformando o trem-bala em sua tecnologia de ponta. Seus avanços mais recentes com o maglev, que levita graças a poderosos ímãs para evitar o atrito com os trilhos, atingiram uma velocidade combinada de 896 km/h quando dois trens CR450 se cruzam.

O problema para o Japão é que a China tem dinheiro de sobra. E se for preciso construir oito das dez maiores pontes do mundo para superar obstáculos geográficos, eles vão trabalhar para isso.

Ao mesmo tempo, o Japão precisa lidar com um terreno montanhoso extenso e um sistema mais tradicional: túneis. Isso é um problema real quando se quer operar um trem em alta velocidade.

Quando um trem passa diretamente pelo túnel, ocorre um fenômeno conhecido como efeito pistão, um problema que o impede de aumentar sua velocidade. As consequências são tão simples quanto graves: explosões estrondosas, danos aos equipamentos... e danos aos tímpanos dos passageiros.

À medida que o trem entra no túnel, o ar é comprimido e seu movimento o empurra em direção à saída. No entanto, parte desse ar ricocheteia, criando mudanças de pressão que podem ser particularmente dolorosas para os passageiros, afetando inclusive o ouvido médio. Conforme o trem se move para fora, uma onda de pressão viaja na velocidade do som e, ao sair do túnel, uma onda de choque e um estrondo sônico são gerados, podendo ser ouvidos a até 400 metros de distância. Isso é conhecido como estrondo do túnel.

O Japão agora enfrenta um problema que persiste há gerações. Seus trens são mais largos que os europeus, mas seus túneis são mais estreitos. Isso visava reduzir os custos de infraestrutura, mas também minimizar o risco de deslizamentos de rochas em caso de terremoto. Inicialmente, isso não era um problema, mas, com o aumento da velocidade dos trens, perceberam que não conseguiam acompanhar o ritmo.

Na China, os trens também usam trilhos de bitola larga como seus vizinhos, mas, como não possuem infraestrutura pré-existente, os novos túneis que constroem são mais largos. Isso reduz o efeito de vácuo criado quando o trem entra no túnel e, portanto, minimiza os problemas para os passageiros. Além disso, como há menos resistência à passagem do trem, o consumo de energia também é reduzido.

A solução para os japoneses não é simples. Na Tokaido Shinkansen, a primeira linha de alta velocidade (que liga Tóquio a Osaka), 13% do percurso total atravessa túneis. Mas a linha Sanyo Shinkansen, por exemplo, atravessa túneis em metade de sua extensão. E a Hokkaido Shinkansen, que está em construção (e por isso apenas parcialmente em operação), planeja cobrir 80% de seu percurso com túneis.

A solução mais eficaz encontrada para o problema é produzir trens com um nariz extremamente longo e pontiagudo. A aerodinâmica busca imitar o bico de um martim-pescador, que pode mergulhar na água gerando o mínimo de respingos. Seguindo o mesmo conceito, quanto mais longo e pontiagudo for o nariz do trem, menor será a resistência encontrada na entrada e mais gradualmente a onda de pressão será gerada.

Outra solução tem sido alargar a entrada do túnel. O "portão" é mais largo e também possui aberturas laterais que permitem que parte do ar movimentado pelo trem escape. Essa rota de escape gera uma onda de pressão menor, permitindo que o trem viaje mais rápido sem causar desconforto aos passageiros. Chegou-se até a falar de trens herméticos com pressão controlada.

Durante os testes, o Japão continua buscando trens capazes de atingir a velocidade máxima de 400 km/h. No entanto, a infraestrutura herdada do passado torna extremamente difícil dar um salto significativo e acompanhar o ritmo da China.

Imagem | Rikku Sama

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