Pensávamos que a rede de satélites Guowang seria a “Starlink chinesa”: agora tudo indica uma ambição diferente

Tudo indica que o projeto tem um enfoque estratégico, com aplicações que podem ir além do uso civil

A rede de satélites Guowang / Imagem: Xataka com Gemini 2.5, CSCN
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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Quando pensamos em internet via satélite, o primeiro nome que geralmente nos vem à cabeça é Starlink. E não é por acaso: a rede impulsionada por Elon Musk conseguiu algo que, até poucos anos atrás, parecia inalcançável para a maioria. Levar conectividade de banda larga a áreas rurais, remotas ou diretamente esquecidas pelas infraestruturas tradicionais, com latência razoável e preços que milhões de usuários podem pagar. A Starlink não inventou a internet por satélite, mas a aproximou do público geral como nunca antes.

Nesse processo, além disso, ativou uma segunda camada menos visível. Porque a Starlink não é apenas um serviço civil: também é uma peça estratégica que os Estados Unidos já começaram a integrar em sua arquitetura militar. O que nasceu como um serviço comercial se tornou uma vantagem tática que outros países não estão dispostos a ignorar. Um deles é a China.

Nos últimos anos, o país acelerou o desenvolvimento de uma constelação própria de satélites em órbita baixa. Alguns a apresentam como “a Starlink chinesa”, um rótulo que soa bem, mas simplifica demais. Estamos falando de uma alternativa comercial destinada a oferecer internet em áreas rurais? Ou estamos diante de algo mais ambicioso, voltado a capacidades estratégicas? Essa rede se chama Guowang (国网), e isto é o que sabemos até agora.

Guowang, mais que uma rede de satélites

Guowang é o nome pelo qual se conhece a constelação de satélites que a China está lançando em órbita terrestre baixa. Seu nome formal é 中国星网, que poderia ser traduzido como “Rede Satelital da China”, e sua abreviatura mais comum é 国网, ou Guowang. Embora a referência tenha se tornado comum na mídia internacional, por trás do projeto não há uma empresa privada nem um ecossistema aberto, mas sim uma companhia estatal: China Satellite Network Group, conhecida como China SatNet.

A sede central foi estabelecida na Nova Área de Xiong’an, uma cidade planejada do zero pelo governo central para se tornar um novo polo de inovação, e a presença da China SatNet ali não é menor. Em 2024, a empresa completou sua transferência, marcando um momento simbólico como a primeira grande empresa estatal plenamente operacional nessa região. Para Pequim, esse projeto é tão tecnológico quanto político.

Como mencionamos, desde que se começou a falar do Guowang, muitos o rotularam como “a Starlink chinesa”. E embora seja fácil entender por que surge a comparação, a realidade é mais complexa. Em termos básicos, ambas as constelações buscam o mesmo: uma rede de milhares de satélites em órbita baixa para oferecer serviços de conectividade global. Mas tudo que envolve o projeto chinês aponta em outra direção. Enquanto a Starlink é voltada para o consumidor, o Guowang não apresenta, pelo menos por enquanto, canais de contratação nem catálogo comercial.

China SatNet em Xiong’an China SatNet em Xiong’an

Atualmente, não está claro se o Guowang pretende oferecer conectividade direta aos usuários, como faz a Starlink, ou se sua vocação é mais estrutural: fornecer cobertura de dados para infraestruturas críticas, redes governamentais e sistemas de defesa. Essa ambiguidade contrasta com o desenvolvimento paralelo do Qianfan (千帆), uma segunda constelação que parece projetada para oferecer serviços comerciais, com satélites planos e enfoque internacional. A coexistência de ambos os projetos sugere que a China optou por uma via dupla: uma constelação visível e aberta para o mundo civil e outra mais discreta, com um papel potencialmente estratégico.

A documentação apresentada pela China à União Internacional de Telecomunicações contempla uma megaconstelação de 12.992 satélites, dividida em duas camadas: uma entre 500 e 600 quilômetros de altitude e outra em torno de 1.145 quilômetros. É precisamente essa segunda camada que protagonizou todos os lançamentos realizados até agora. Desde dezembro de 2024, o ritmo de atividade tem sido constante, mas acelerou no segundo semestre de 2025. Apenas entre julho e agosto, foram realizados pelo menos quatro lançamentos de satélites, uma cadência que começa a lembrar os primeiros passos da Starlink.

Mesmo assim, o número total em órbita continua modesto. As estimativas mais recentes falam de cerca de 70 satélites operacionais, uma fração mínima se comparada aos objetivos declarados. Mas esse primeiro lançamento não parece improvisado.

Um dos grandes mistérios que cercam o Guowang tem a ver com o que seus satélites realmente podem fazer. Diferentemente da Starlink, o projeto chinês praticamente não forneceu detalhes técnicos. No entanto, os satélites do Guowang podem estar equipados com tecnologias que vão além da conectividade tradicional.

Um dos lançamentos em Guowang Um dos lançamentos em Guowang

Entre as capacidades que se especulam estão terminais de comunicações a laser, sensores ópticos, radares de abertura sintética (SAR) e sistemas de retransmissão de dados de alta capacidade. Esse tipo de instrumento permitiria à rede realizar funções de vigilância, monitoramento ou apoio logístico em ambientes de operação complexos, sejam eles civis ou militares.

A forma como a constelação é construída reforça essa ideia: os satélites não são fabricados em um único centro, nem lançados com um único tipo de foguete, mas envolvem vários contratantes e plataformas distintas. Essa arquitetura modular leva a pensar em uma rede projetada para integrar múltiplas funções, e não exclusivamente para oferecer internet.

No âmbito militar, analistas estadunidenses já começaram a traçar paralelos entre o Guowang e o Starshield, o sistema de satélites que a SpaceX está desenvolvendo para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Embora não haja confirmação oficial, a comparação reforça a hipótese de que o Guowang não é simplesmente um projeto comercial, mas uma rede com funções muito mais amplas do que se comunicou até agora.

Pode parecer um projeto distante, mas o Guowang tem muito a ver com os interesses europeus. Em um momento em que a União Europeia impulsiona iniciativas como o IRIS2 para reforçar sua autonomia em conectividade, o avanço de uma constelação como o Guowang, totalmente controlada pelo Estado chinês, introduz uma variável relevante no mapa tecnológico global.

O componente político também é importante. Diferentemente da Starlink, que opera sob uma empresa privada com interesses comerciais, o Guowang, como mencionamos, é projetado, financiado e operado pelo aparato estatal. É importante ter isso em mente caso, em algum momento, sejam ativados acordos de cobertura em terceiros países ou se a rede for usada para apoiar operações sensíveis.

A iniciativa ainda está em fase inicial, mas os próximos meses serão determinantes para compreender seu verdadeiro propósito.

Imagens | Xataka com Gemini 2.5, CSCN

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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