Israel e Irã estão confirmando o que já dava para prever com a Ucrânia: a guerra agora acontece a milhares de quilômetros de nossas cabeças

A guerra entre Israel e Irã é, em termos geoestratégicos, uma ruptura radical

Quem ficará sem arsenal primeiro: o Irã com seus mísseis ou Israel com seus interceptadores? / Imagem | NASA, Universe
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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Poderia ser material para um filme de ficção científica apocalíptico. Um míssil do futuro, com capacidades antibalísticas, hipersônicas e exoatmosféricas, é lançado em busca de seu alvo para interceptá-lo: um míssil balístico a Mach 5 cuja tecnologia ultrapassa, literalmente, a própria linha de Kármán a 1.500 km de distância. Ambos os sistemas sofisticados se encontram na exosfera para definir um único vencedor. E, no entanto, a cena está acontecendo neste exato momento, mudando completamente o que entendíamos por conflito bélico.

O teatro invisível

A guerra entre Israel e Irã marca um ponto de inflexão sem precedentes na história do conflito armado, não apenas por suas implicações políticas, mas pela radicalidade de seus meios e dimensões. O que começou como uma escalada anunciada, sustentada por décadas de tensões latentes, transformou-se em uma confrontação sem fronteiras, sem frentes terrestres e sem exércitos se enfrentando cara a cara — uma versão “aperfeiçoada” do que já havíamos visto na Ucrânia.

Porque, a mais de 1.500 quilômetros de distância entre as capitais, sem compartilharem fronteiras e sem envolvimento direto dos países intermediários, ambos os Estados se atacam sobrevoando e ultrapassando geografias alheias. Israel projeta seu poder aéreo sobre o Irã graças a uma frota de F-35, F-15 e F-16 de longo alcance, reabastecidos em voo e operando em espaço aéreo estrangeiro com total impunidade. Essa liberdade operacional só é possível porque o Irã, após anos de sanções, carece de capacidade aérea para oferecer resistência. Assim, nos céus iranianos, qualquer objeto em movimento deve ser considerado inimigo.

O historiador e professor da Universidade Columbia, Adam Tooze, falou disso no fim de semana. Enquanto Israel utiliza caças e bombas guiadas para realizar ataques de precisão (incluindo aquelas bombas antibunker fabricadas nos EUA), o Irã responde com uma estratégia mais econômica, mas não menos ambiciosa: mísseis balísticos de longo alcance. É uma guerra assimétrica. Israel voa milhares de quilômetros para lançar bombas. O Irã lança mísseis que percorrem essa mesma distância pelo ar.

Cada um desses projéteis pode custar milhões, embora, no conjunto, representem uma fração do valor dos aviões israelenses. O extraordinário é que esses mísseis não apenas atingem alvos a mais de 1.000 quilômetros de distância, como também cruzam a linha de Kármán, a fronteira do espaço exterior, alcançando altitudes de até 400 quilômetros antes de se lançarem sobre seus alvos. Tratam-se de trajetórias exoatmosféricas inéditas em conflitos reais, uma evolução direta do legado técnico dos foguetes V2 da Alemanha nazista, reciclado pelos programas soviético e iraniano.

O escudo “estelar”

Aqui entra em cena um daqueles elementos que parecem saídos da ficção científica. Porque a resposta israelense a esses ataques cósmicos é igualmente futurista. Graças a décadas de colaboração com os Estados Unidos, Israel implantou o sistema Arrow 3, um interceptador capaz de neutralizar mísseis balísticos no vácuo do espaço.

Derivado do programa SDI de Ronald Reagan, o sistema (desenvolvido por IAI, Boeing, Elta e Elbit Systems) baseia-se na premissa de “acertar uma bala com outra bala”, ainda que com um “déficit”: um custo de 2 milhões de dólares por unidade. Esses interceptadores atingem os mísseis iranianos em seu ponto mais alto, antes mesmo de entrarem na atmosfera israelense. Na verdade, a primeira interceptação bem-sucedida em combate ocorreu em 9 de novembro de 2023, um marco histórico: a primeira vez que um míssil foi destruído no espaço durante uma guerra.

Linha de Kármán Linha de Kármán

A Cúpula e o preço a pagar

Tooze contou uma anedota que revela o cerne do uso dessas defesas “estelares”. Durante o ataque massivo de abril de 2024, mais de 550 projéteis (entre mísseis balísticos e de cruzeiro) foram lançados contra Israel. A defesa aérea respondeu com sucesso, evitando algo muito próximo de um cataclisma. Ele conta também que o resultado tangível daquela noite foi que a população voltou a trabalhar normalmente.

No entanto, esse grau de proteção tem um preço exorbitante: até 285 milhões de dólares por noite em operações defensivas, segundo o Washington Post. Além disso, a produção de mísseis interceptadores é limitada. As fábricas israelenses e norte-americanas simplesmente não conseguem fabricar interceptadores Arrow 3 em quantidade suficiente para sustentar esse ritmo por muito tempo. Daí que, no conflito atual, o grande ponto de interrogação estratégico seja quem ficará sem arsenal primeiro: o Irã com seus mísseis ou Israel com seus interceptadores.

Assim, enquanto os Estados Unidos e seus aliados observam com atenção essa espécie de “Guerra nas Estrelas da vida real” sonhada por Reagan, a Europa parece decidida a agir. Sob o projeto Sky Shield, impulsionado pela Alemanha, foram encomendadas baterias do sistema Arrow 3 por bilhões de euros, como parte do rearmamento que os Estados Unidos tanto desejam — e financiam.

Embora a experiência israelense não se traduza automaticamente em defesa do território continental dos EUA contra mísseis intercontinentais (ICBMs), ela sim serve ao continente europeu, que vê nesse escudo uma resposta a ameaças futuras.

Em segundo plano, algo que já se intuía desde a guerra de drones desencadeada pela invasão russa à Ucrânia e que essa confrontação de mísseis entre Israel e Irã tornou ainda mais evidente: o início de uma nova era militar. Ficam para trás as guerras convencionais, em que os frontes eram medidos em quilômetros terrestres.

Hoje, a guerra já não é uma questão geográfica. As trajetórias de ataque atravessam continentes e atmosferas; as batalhas são travadas desde a exosfera até os porões de instalações nucleares enterradas em montanhas. O que antes parecia ficção científica (interceptar foguetes no espaço, viver sob cúpulas defensivas invisíveis ou coordenar bombardeios cirúrgicos a 1.500 km de distância) agora faz parte do arsenal rotineiro dos países mais militarizados do mundo.

A guerra entre Israel e Irã confirmou, em termos geoestratégicos, uma ruptura radical. Não apenas por sua extensão ou por seus protagonistas, mas pelo tipo de tecnologias empregadas, pelo cenário em que se desenrola e pela natureza fundamentalmente técnica, automatizada e remota de suas operações.

Já não se trata apenas de um confronto regional: agora vislumbra-se o início de uma era orbital de guerra à distância em que a supremacia é definida em termos de inteligência via satélite, defesa balística espacial e capacidades industriais sustentadas. O conflito oculta uma transformação que marcará a forma como as guerras do futuro serão planejadas, combatidas e lembradas.

Imagem | NASA, Universe

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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