Longe dos holofotes, a DeepMind desenvolve uma IA que não quer fazer vídeos engraçadinhos, e sim reescrever a ciência

Em contraste com a IA comercial, que tenta nos conquistar com avanços chamativos e efêmeros, a “IA científica” consegue nos entusiasmar — e a DeepMind é o destaque

DeepMind / Imagem: DeepMind
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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A OpenAI não busca criar uma AGI. Busca fazer com que não paremos de falar dela. É o maior expoente da “produtização” da IA. Ela e outras concorrentes se concentram em oferecer opções chamativas que aumentam nossa produtividade, mas que não mudam o mundo. E é justamente isso que algumas empresas estão tentando fazer — entre elas, se destaca uma em especial: a DeepMind.

Nos últimos dois anos, a indústria tecnológica tem parecido um concurso de fogos de artifício. A cada poucos dias ou semanas, um novo modelo promete escrever e-mails melhores, gerar vídeos mais realistas ou manter conversas cada vez mais humanas. O ciclo da novidade costuma ser efêmero — as imagens no estilo Studio Ghibli foram um bom exemplo —, mas, longe desses “efeitos uau”, existe uma IA silenciosa que não busca impressionar nas redes sociais, e sim ajudar a resolver problemas científicos que permanecem travados há décadas.

The Thinking Game: O recente documentário sobre a DeepMind, intitulado The Thinking Game e disponível gratuitamente no YouTube, mostra justamente essa outra face da IA. Embora o tom épico não seja muito diferente do visto no documentário AlphaGo, o que ele apresenta serve como lembrete da dicotomia atual da indústria. Enquanto a bolha da IA se infla em busca de rentabilidade imediata, a DeepMind parece ter mantido seu espírito original — o de usar IA não para imitar o ser humano, mas para, neste caso, decifrar o código da biologia.

De Pong a AlphaFold: No documentário de 84 minutos, conta-se a história da DeepMind por meio da trajetória de seu cofundador, Demis Hassabis. O percurso é fascinante e mostra como a startup começou desenvolvendo modelos de IA capazes de aprender sozinhos a jogar videogames retrô como Pong e Breakout (Arkanoid) para, pouco a pouco, avançar até desafios muito mais ambiciosos — em especial, prever a estrutura das proteínas usando aprendizado profundo.

O desafio enfrentado pelos engenheiros da DeepMind parecia impossível. Prever a estrutura dessas proteínas frequentemente resultava em erros e exigia enorme capacidade computacional, mas com o AlphaFold 1 (2018) e, sobretudo, com o AlphaFold 2 (2020), a DeepMind alcançou resultados espetaculares.

Em 2021, a empresa publicou tanto o código-fonte do projeto quanto uma base de dados com a estrutura de mais de 200 milhões de proteínas, disponível para qualquer laboratório ou pesquisador. Foi um presente absoluto para o mundo científico. Depois viria o AlphaFold 3, mais voltado ao desenvolvimento de medicamentos e com um caráter um pouco mais comercial.

Uma IA vencedora do Prêmio Nobel

Dois dos vencedores do Prêmio Nobel de Química de 2024 trabalham na DeepMind. São eles: Demis Hassabis e John M. Jumper, premiados por suas contribuições à previsão da estrutura das proteínas. Esse trabalho com o AlphaFold demonstrou que a IA podia, de fato, contribuir para o avanço científico — e colocou a DeepMind, mais do que nunca, no topo desse segmento.

Aqui, é importante fazer uma distinção. Enquanto os LLMs (grandes modelos de linguagem, como o GPT-5) funcionam prevendo a próxima palavra mais provável em uma frase, a “IA para a ciência” prevê comportamentos físicos e químicos: enquanto modelos de linguagem podem alucinar e mentir sem dificuldade, a IA científica está submetida às leis da física.

Tradicionalmente, a ciência avançava por meio de observação, hipótese e experimento — um processo lento e caro. Com a IA, surge uma fase intermediária: a simulação massiva, que atua como catalisadora desse processo. Graças à IA, é possível eliminar milhões de caminhos sem saída antes mesmo de um cientista pisar em um laboratório. A DeepMind entendeu isso tão claramente que criou a Isomorphic Labs, uma divisão comercial dedicada exclusivamente a usar essa tecnologia para descobrir novos medicamentos.

A DeepMind não está sozinha. Embora a empresa cofundada por Demis Hassabis seja a referência mais clara nessa área, há outros exemplos seguindo o mesmo caminho:

  • Microsoft: alcançou um marco impressionante em colaboração com o PNNL (Pacific Northwest National Laboratory) ao filtrar com IA 32 milhões de materiais inorgânicos potenciais e encontrar um novo capaz de reduzir o uso de lítio em baterias em 70%.
  • MIT: o prestigiado instituto usou modelos de deep learning para descobrir a halicina, um antibiótico capaz de eliminar bactérias resistentes a todos os tratamentos conhecidos.
  • NVIDIA: a empresa não apenas domina de forma quase absoluta o mercado de chips para IA, como também construiu um "gêmeo digital" da Terra chamado Earth-2. Seus modelos de IA (FourCastNet) preveem fenômenos meteorológicos extremos milhares de vezes mais rápido e consumindo muito menos do que supercomputadores tradicionais.

Desde o surgimento do ChatGPT, prometeu-se que a IA mudaria o mundo. Por enquanto, isso não aconteceu de forma tão ampla, mas o que DeepMind e outras empresas estão fazendo no campo científico parece, de fato, apontar para revoluções reais. 

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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