Queima na água e não apaga: a química real por trás da arma favorita de Cersei Lannister em Game of Thrones que tem origem no exército bizantino

Fogo grego usado pelo Império Bizantino era mortal e impossível de apagar | Imagem: Wikimedia Commons
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Igor Gomes

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Subeditor do Xataka Brasil. Jornalista há 15 anos, já trabalhou em jornais diários, revistas semanais e podcasts. Quando criança, desmontava os brinquedos para tentar entender como eles funcionavam e nunca conseguia montar de volta.

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Que George R.R. Martin se inspirou em momentos na história mundial para escrever sua série “Canção de Gelo e Fogo” já é de conhecimento geral. E uma das armas mais mortais usadas pelo reino de Porto Real também foi inspirada no passado. O fogovivo, usado por Cersei Lannister na adaptação para TV para acabar com os pardais e Margaerey Tyrell, esposa de seu último filho vivo, tem inspiração em uma substância usada pelo Império Bizantino. A versão real não tinha a coloração verde fluorescente, mas também era impossível de apagar e queimava ainda mais forte ao entrar em contato com a água.

Por muito tempo, não se soube do que era feito o fogo grego. Não poderia ser um combustível comum da época pelas suas características de grudar na superfície onde ele tivesse contato e de queimar com mais força em contato com a água. Vários estudos apontavam diferentes “receitas”. Segundo artigo de Nelson Lage da Costa, mestre em ensino de ciência, as hipóteses mais aceitas listavam “cal viva (óxido de cálcio), petróleo, nafta, enxofre e salitre (nitrato de potássio), dentre outras substâncias” como os possíveis ingredientes do fogo grego, mas um historiador de Princeton afirma que a mistura é muito mais simples. 

Como funcionava o fogo grego?

As chamas era uma das principais armas usadas pelo império Bizantino em batalhas navais. O disparo era simples: uma bomba primitiva era instalada nas embarcações com uma chama na frente do bocal o líquido inflamável sairia. O combustível era mantido pressurizado dentro de recipientes ligados à bomba. Quando disparada, o sifão jorrava o líquido em alta pressão e o contato com a chama fazia-o explodir. As chamas aderiam a qualquer superfície, sendo impossíveis de apagar. O vídeo do Museu Smithsonian abaixo mostra como o equipamento funciona.

Saber como funcionava o sistema de disparo é meio caminho andado para entender o fogo grego, agora só faltava entender a composição do combustível. E um historiador de Princeton demorou mais de trinta anos para decifrar a receita. 

“Máquinas que o tempo esqueceu”

John Haldon é um professor emérito de história medieval em Princeton. Nos anos 1970, seu interesse pelo Império Bizantino o levou a se juntar com Maurice Byrne para desenvolver um protótipo e entender como o fogo grego era utilizado. Em entrevista ao site “Chemical and Engineering News, ele explicou como o teste foi feito: “fizemos alguns experimentos, basicamente pegando um pouco de petróleo bruto, colocando-o em uma seringa hipodérmica, aquecendo-o e projetando-o em alguns navios de papel dentro de uma bacia. E o princípio funcionou”.

Temporariamente satisfeito com os resultados, Haldon deixou o interesse pelo fogo grego de lado até que, décadas depois, um amigo o apresentou a uma equipe de documentário. Eles estavam começando uma série documental que buscava entender grandes feitos do passado que não pareciam ser possíveis considerando a tecnologia da época. Lançada em 2003, a série “Machines Time Forgot” teve apenas uma temporada com quatro episódios. E o segundo abordava a arma bizantina.

A equipe sugeriu que Haldon criasse uma maquete para mostrar como a arma funcionava. O pesquisador sugeriu que usassem o sifão que anos depois seria reproduzido pela equipe do Smithsonian, mas os produtores do documentário temiam que o objeto não suportasse a pressão feita no seu conteúdo e causasse um acidente. Decidiram usar uma bomba manual e partiram para o próximo problema: qual combustível utilizar.

Diferentes terras têm diferentes óleos crus

A grande aposta de Haldon para o fogo grego era petróleo cru, recém extraído da terra. O problema é que o líquido seria volúvel e em 24 horas se transforma em piche ou alcatrão por conta da evaporação de frações leves. Assim, o líquido se torna uma gosma pegajosa em pouco tempo e os relatos históricos afirmam que o combustível usado pelos bizantinos era líquido. Foi só quando uma amiga geóloga contou a ele que lugares diferentes produzem diferentes tipos de petróleo que Haldon pensou em checar a área do Império Bizantino para saber como é o petróleo em torno do mar Mediterrâneo.

“Esses campos petrolíferos produziam um tipo específico de petróleo. Ele tem um teor muito baixo de não-hidrocarbonetos e um teor muito alto de frações de querosene, o que significa que evapora muito lentamente, [...] e mantém um alto índice de inflamabilidade — em outras palavras, seus gases se inflamam com muita facilidade”, explicou na entrevista para o site “Chemical and Engineering News”.

 Para fazer com que o petróleo aderisse ao alvo, Haldon adicionou resina de pinheiro e voi la, está desvendado o mistério do fogo grego. A grande questão que ficou séculos sem resposta não passava de uma mistura simples, porém letal, de substâncias presentes na natureza. 


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