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Perseverance encontra “o indício mais claro de vida que já vimos em Marte”, segundo a Nasa

A rocha Cheyava Falls, encontrada em um local onde antes havia água, pode ser a primeira bioassinatura de Marte

Perseverance / Imagem: NASA
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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A comunidade científica concluiu a análise de uma rocha com um padrão de manchas de leopardo que o rover Perseverance da Nasa encontrou em Marte em julho do ano passado. Um estudo completo, publicado na revista Nature, confirma que a superfície da rocha apresenta uma combinação de características químicas, minerais e texturais que são difíceis de explicar sem, ao menos, considerar a intervenção da biologia.

Embora os cientistas não possam confirmar sem acesso físico à rocha, ela pode ser a primeira bioassinatura encontrada em Marte. Ou seja, uma característica geoquímica que, na Terra, está associada à vida microbiana e que, coincidentemente, foi encontrada em um local por onde antigamente corria água.

O epicentro dessa descoberta é uma área nas bordas da cratera marciana Jezero batizada de Bright Angel, um antigo leito de rio com cerca de 400 metros de largura. Foi ali que, em julho de 2024, o rover Perseverance se deparou com uma rocha em forma de ponta de flecha, com aproximadamente um metro de comprimento, que os cientistas da NASA batizaram de Cheyava Falls.

A análise dessa rocha revelou diminutas estruturas às quais os pesquisadores se referem, de forma coloquial, como “sementes de papoula” e “manchas de leopardo”. Não são simples rochas com formas curiosas, mas produto de reações químicas. As sementes de papoula são nódulos de entre 100 e 200 micrômetros, provavelmente de um mineral chamado vivianita, e as manchas de leopardo são os frentes de reação: estruturas mais complexas de até 1 mm, com uma borda escura de vivianita e um núcleo mais claro, rico em sulfeto de ferro, provavelmente greigita.

O que tem de especial

O realmente interessante dessas estruturas minerais é que elas se encontram junto a carbono orgânico, detectado pelo instrumento SHERLOC do Perseverance por meio de sua assinatura espectral na banda G. Embora já se tenha encontrado carbono orgânico em Marte, é a primeira vez que ele aparece associado a minerais produzidos por reações de óxido-redução.

Para entender o quão chamativa é essa descoberta, basta ver o que causa essas estruturas na Terra. E sim, a vida microbiana é uma possibilidade. “Na Terra, às vezes se formam coisas como essas em sedimentos onde os micróbios comem matéria orgânica e ‘respiram’ óxido e sulfato”, explica o geobiólogo Michael Tice, professor da Universidade Texas A&M e coautor do estudo.

Foram os micróbios?

As reações de óxido-redução (mais conhecidas como redox) partem de uma transferência de elétrons, que é um processo fundamental para que os seres vivos obtenham energia. Portanto, uma das opções é o cenário biológico: microrganismos que viveram na lama de um antigo lago marciano há mais de 3 bilhões de anos causaram essas estruturas.

Como? Eles utilizaram a matéria orgânica como alimento. Ao “respirar”, usaram o ferro oxidado e o sulfato do sedimento como aceptores de elétrons, produzindo como resíduo os minerais de ferro reduzido que vemos hoje: a vivianita e a greigita. Esse processo ocorre em baixas temperaturas e explica perfeitamente a combinação e a disposição dos minerais e da matéria orgânica.

E se não foram?

Mas processos puramente geoquímicos, sem intervenção biológica, também poderiam ter criado essas estruturas. A matéria orgânica (que pode ter origem não biológica, como um meteorito) também poderia ter reagido com os minerais da rocha.

Mas, nesse cenário abiótico, há um problema. As reações que formam a vivianita podem ocorrer a baixas temperaturas, e os processos geoquímicos conhecidos para formar a greigita a partir de sulfato exigem temperaturas muito altas (superiores a 150-200 °C) ou condições muito ácidas. As rochas de Bright Angel não mostram evidências de terem passado por nenhuma dessas condições.

Por isso, essas manchas na rocha não podem ser consideradas evidências conclusivas de vida em Marte, mas são um primeiro passo promissor. Os instrumentos do Perseverance são poderosos, mas têm seus limites. O rover perfurou a rocha “Cheyava Falls” e armazenou um núcleo, apelidado de “Sapphire Canyon”, em um tubo de amostras selado. É um dos 27 tubos que o rover já preencheu até hoje e um dos candidatos prioritários para ser trazido à Terra, onde poderia ser feita uma análise muito mais detalhada.

É aqui que a empolgação bate de frente com a realidade. A missão Mars Sample Return, projetada para coletar essas amostras e trazê-las para a Terra, foi cancelada depois que o orçamento da missão original disparou para 11 bilhões de dólares, com atrasos previstos até 2040. A situação obrigou a Nasa a buscar alternativas mais rápidas e baratas, ou seja, a solicitar propostas alternativas à indústria privada e ao JPL. Mas ainda não há um caminho definido.

Há outro fator surpreendente que aumenta a importância dessa descoberta. Até agora, a hipótese dominante sugeria que os possíveis sinais de vida deveriam ser procurados nas rochas mais antigas de Marte. No entanto, as lodolitas de Bright Angel estão entre as rochas sedimentares mais jovens que a missão já investigou. Isso abre uma possibilidade nova e fascinante: Marte pode ter sido habitável por um período de tempo mais longo ou em uma fase mais tardia de sua história do que se pensava.

Imagem | NASA, JPL

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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