Sexta-feira. Oito da noite. Você está em um bar no centro com seus amigos e quer tomar um par de cervejas (ou talvez uns drinks) para aproveitar o fim do dia, mas só a ideia da ressaca no dia seguinte e de o álcool estragar boa parte do fim de semana já te desanima, então acaba pedindo uma cerveja sem álcool. Mais uma.
Mas… e se existisse uma IPA ou um licor sem álcool capaz de te dar aquele toque de euforia e desinibição, tudo isso sem uma gota de álcool, ressacas ou risco de desenvolver dependência? Essa é a curiosa promessa lançada por um laboratório britânico.
Em um momento delicado para a indústria de bebidas alcoólicas, marcado pela queda da demanda em mercados-chave, por uma mudança geracional clara no consumo de drinks e pelo crescente interesse por cervejas ou vinhos sem álcool, há quem já queira ir vários passos além: produzir licores e cervejas sem álcool, mas capazes de embriagar. Ou, ao menos, de dar a quem os consome aquele ponto de desinibição e euforia que se busca nas garrafas.
O nome-chave nessa corrida é o de David Nutt, neurocientista com longa experiência em pesquisa e que há décadas explora como os fármacos afetam o cérebro, a dependência e a ansiedade. Nutt reconhece que a bebida oferece certas vantagens em nível social, mas aspira a que as pessoas possam aproveitar seus drinks de forma mais segura e saudável, evitando riscos como dependência, cirrose ou comportamentos agressivos.
Convencido de que isso é possível, há anos ele cofundou a GABA Labs, uma empresa que parte de uma promessa ambiciosa: "Oferecer aos consumidores sociais o que eles querem do álcool, sem o álcool". A equipe trabalha para lançar no mercado uma molécula patenteada chamada Alcarelle, um composto inodoro, insípido e incolor que atua como "um ingrediente projetado para promover a socialização e o relaxamento".
Seu propósito, reporta a Bloomberg, é amplificar os efeitos do ácido gama-aminobutírico, um neurotransmissor que transmite mensagens químicas às células nervosas para indicar ao cérebro que relaxe. A empresa estabeleceu ainda outra meta ambiciosa: que sua criação supere o álcool tradicional sem ser viciante. Em entrevistas, Nutt costuma falar sobre efeitos semelhantes aos das bebidas alcoólicas, mas sem a ressaca do dia seguinte.
Em seu site, a GABA Labs informa que seu objetivo é que Alcarelle e os produtos derivados estejam disponíveis nos EUA a partir de 2028, embora, em uma entrevista à Bloomberg em julho, Nutt tenha confessado esperar que o composto esteja disponível comercialmente antes do fim de 2027.
Desde que foi fundada, há quase uma década, a GABA Labs vem buscando moléculas capazes de atuar nos receptores GABA do cérebro para alcançar os resultados desejados (e evitar os indesejados), o que os levou a desenvolver dezenas de opções diferentes. "Trata-se de testar e refinar", reconhece o cientista. No momento, o laboratório possui três moléculas “finalistas” e espera apostar em breve na mais promissora para avançar em sua pesquisa e desenvolvimento.

Para verificar os resultados da GABA, não será preciso esperar tanto. Em 2021, a empresa lançou uma bebida em pequenas quantidades no Reino Unido e, algum tempo depois, nos EUA. Seu nome: Sentia. A bebida ainda não inclui a molécula que a GABA busca, mas é elaborada com ingredientes naturais que pretendem oferecer um aperitivo dos planos de Nutt. Seus criadores a apresentam como uma alternativa para clientes "cansados de escolher entre álcool ou sem álcool e que buscam uma bebida funcional que melhore sua conexão social".
Uma cerveja diferente?
Há alguns dias, a agência EFE noticiou o lançamento de uma cerveja sem álcool capaz de gerar em quem a ingere uma desinibição semelhante à da bebida tradicional. Seu nome comercial: Gabyr. "Proporciona os mesmos efeitos que as pessoas buscam em uma bebida — relaxamento, sociabilidade —, mas com um impacto muito menor que o do álcool", afirma o cofundador do laboratório a partir de Hemel Hempstead, nos arredores de Londres, onde a bebida é fabricada, segundo informa a agência.
A equipe já está trabalhando também em um uísque e um vinho.
Embora, por enquanto, se trate basicamente de promessas, em suas entrevistas, Nutt insiste que sua meta é ambiciosa: busca uma gama de bebidas sem álcool que ofereça o que muitos consumidores sociais procuram em seus drinks — desinibição e um toque de euforia. Tudo, insiste ele, com uma alternativa não viciante e sem ressacas. Bebe-se e, em teoria, os efeitos aparecem em cerca de 20 minutos.
Isso, é claro, levanta algumas perguntas interessantes em diferentes áreas. Como lidar com isso a nível regulatório? Como influenciaria na condução de veículos? E como as autoridades poderiam supervisionar seu uso? Com bafômetros? Há efeitos colaterais? Em uma entrevista à Bloomberg, Kenneth Sher, professor da Universidade de Missouri, reconheceu que lhe custa imaginar um substituto único para o álcool baseado em GABA. Outro acadêmico, Jim Cook, também demonstra receio quanto a possíveis efeitos colaterais, como sonolência ou perda de memória.
Por trás da proposta de Nutt, há algo além do interesse científico. A lucrativa indústria do álcool passou por mudanças importantes nas últimas décadas e, embora a tendência não seja a mesma (nem tão intensa) em todos os mercados, há certos padrões que estão afetando as grandes marcas: a Geração Z parece menos interessada em álcool do que suas antecessoras, tendências como o "Janeiro Seco" ganham força e se fala muito mais sobre cervejas ou vinhos sem álcool, os quais já representam um mercado em crescimento e com perspectivas promissoras.
O portal Statista calcula que, em 2028, as vendas globais de cerveja sem álcool ultrapassarão facilmente 50 bilhões de dólares, coroando uma alta de demanda praticamente ininterrupta que remonta, pelo menos, a antes da pandemia. A agência Bloomberg informa que, apenas nos EUA, o mercado de bebidas sem álcool movimenta cerca de 900 milhões de dólares por ano. Se Nutt conseguir finalmente encontrar a fórmula certa e alcançar seu ambicioso objetivo, poderia se tornar um novo ator de destaque nesse negócio em expansão.
Imagens | Mark Broadhead (Unsplash) e Statista
Tradução via: Xataka Espanha.
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