Por anos, a Tesla vendeu a ideia de que seus carros não eram apenas veículos, mas computadores sobre rodas — mais inteligentes, mais seguros e mais avançados do que qualquer coisa na estrada. Só que um novo levantamento mostra o lado mais sombrio dessa aposta. Segundo um relatório da Bloomberg, ao menos 15 pessoas morreram nos últimos dez anos em acidentes nos quais portas de veículos da Tesla não puderam ser abertas após colisões seguidas de incêndio.
O número, por si só, já é alarmante. O contexto torna tudo ainda pior. Em pelo menos uma dúzia de incidentes analisados, vítimas dentro do carro — ou socorristas do lado de fora — simplesmente não conseguiram abrir as portas a tempo. Em muitos casos, as pessoas sobreviveram ao impacto inicial da batida, mas ficaram presas no interior do veículo enquanto ele pegava fogo.
O mais preocupante é que o problema não parece estar diminuindo. Mais da metade dessas mortes ocorreu desde novembro de 2024, indicando que não se trata de uma falha antiga já corrigida, mas de um risco persistente. Diante da gravidade, reguladores começaram a agir. A NHTSA, agência de segurança viária dos Estados Unidos, abriu uma investigação formal para apurar se falhas nas portas impediram a evacuação de ocupantes de Model Y. Autoridades na Europa e na China também avaliam mudanças regulatórias.
O cerne da questão está no design que a Tesla ajudou a popularizar: maçanetas embutidas e acionadas eletronicamente. Elas ajudam na aerodinâmica e no visual futurista, mas dependem de energia elétrica para funcionar corretamente. Em situações extremas — como colisões severas, incêndios ou queda brusca de voltagem — esse sistema pode simplesmente deixar de responder.
A ironia é cruel. Hoje, cerca de 70 modelos à venda nos Estados Unidos utilizam esse tipo de maçaneta, seguindo a tendência iniciada pela Tesla. Só que, quando algo dá errado, segundos fazem toda a diferença. E um design elegante pode se transformar em uma armadilha mortal.
A Tesla não comentou diretamente o relatório, mas afirmou à Bloomberg que leva incidentes de segurança a sério e destacou que outras montadoras também enfrentam problemas semelhantes. Ao mesmo tempo, a empresa reconhece que mudanças podem estar a caminho. Entre as soluções em estudo estão o desbloqueio automático das portas quando a bateria atinge níveis críticos e um novo design que combine os mecanismos elétrico e manual de liberação.
Na semana passada, a empresa também lançou uma nova página de segurança afirmando que seus veículos destravam automaticamente as portas após colisões graves. O problema é a falta de clareza: não está claro quando essa funcionalidade passou a valer, para quais modelos ou se ela realmente funciona em cenários de perda total de energia.
O trabalho da Bloomberg ajuda a entender por que o tema ganhou tanta força. Sem estatísticas públicas consolidadas, eles cruzaram dados da NHTSA, relatórios policiais, processos judiciais, notícias locais, gravações de chamadas de emergência e até imagens de câmeras corporais. O foco foi claro: casos em que havia evidências de que a vítima estava viva após a batida, mas morreu presa no veículo em chamas.
O resultado é um alerta difícil de ignorar. Inovação não pode ser apenas sobre estética ou eficiência. Quando o design impede uma saída em um momento crítico, ele deixa de ser futurista — e passa a ser um risco que custa vidas.
Crédito de imagem: Divulgação
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