Em um episódio da lendária série Seinfeld, Elaine se irrita com o namorado Puddy, que passa o voo inteiro olhando para o encosto do assento. Essa imagem, uma piada dos anos 1990, ganha um novo significado hoje com um toque tecnológico: não olhamos para o nada, mas podemos ficar hipnotizados por um ponto na tela, o mapa do voo.
De estranheza a tendência viral
Esta não é uma mania isolada. Em uma reportagem do The Washington Post, eles retrataram o fenômeno por meio da história de Nicole Sunderland, uma criadora de conteúdo que divide seu tempo entre Washington, D.C., e Phoenix. Sunderland admite que, em um voo de 14 horas para o Catar, ela mantém o mapa ligado "o tempo todo", mesmo que os comissários de bordo tentem desligá-lo.
Seu hábito viralizou no TikTok, junto com dezenas de vídeos de passageiros se gabando de "aguentar" sem filmes, música ou Wi-Fi, assistindo apenas ao voo pelo globo digital. Outros, como Manu Seminara, transformaram a prática em um passatempo público: enquanto as telas ao seu redor exibiam filmes e séries, ela registrava o mapa da rota para as redes sociais.
O mapa como rei do conteúdo
Além do meme, os números sugerem que essa obsessão tem grande apoio. A FlightPath3D, fornecedora líder de mapas de voo para mais de 90 companhias aéreas, afirma que 68% dos passageiros abrem o mapa em algum momento e 20% o visualizam exclusivamente. Em média, os usuários passam 52 minutos em frente ao mapa nas telas dos encostos dos assentos e 18 minutos em dispositivos móveis pareados. No total, cerca de 400 milhões de passageiros utilizaram o produto no ano passado.
As próprias companhias aéreas reforçam essa ideia. No ano passado, a Delta Air Lines lançou um novo mapa de voo projetado para pessoas com baixa visão. Em seu comunicado, a empresa foi categórica: o mapa é seu conteúdo número um no Delta Studio, à frente de filmes, programas de TV e jogos. De acordo com seus números, 45% dos clientes interagem com ele em todos os voos. Da mesma forma, veículos de mídia focados em aviação, como o PaxEx.Aero, enfatizam que o mapa é "o conteúdo IFE (entretenimento a bordo) mais popular por um motivo" e que as companhias aéreas já estão experimentando integrá-lo a outros formatos: de uma barra lateral persistente na tela a breves sobreposições no final de um filme.
Por que é tão envolvente?
Depoimentos apontam para vários fatores-chave. Para alguns, o mapa é uma forma de controle em meio à incerteza aérea: o Sunderland, por exemplo, o monitora especialmente durante turbulências para verificar altitude e velocidade. Para outros, é uma forma de meditação leve: observar o ícone do avião avançando lentamente traz calma em um ambiente saturado de estímulos.
"Existem fanáticos por mapas", reconhece Duncan Jackson, presidente da FlightPath3D. "Eles adoram ver onde estão, quanto tempo resta e observar o progresso do plano de voo. Para alguns, é quase meditativo", acrescenta.
Um estudo acadêmico da Universidade de Lund (Suécia), realizado em colaboração com a Etihad Airways, reforça essa explicação sob a perspectiva do design. Em testes de interação com protótipos de mapas 3D, os passageiros avaliaram melhor as interfaces que ofereciam dicas de navegação claras e uma sensação de controle, e relataram maior orientação com visualizações tridimensionais. Até mesmo a escolha do controle teve impacto: alguns usuários tiveram melhor desempenho com um giroscópio do que com controles por toque. Em outras palavras, a experiência com o mapa responde a profundas necessidades psicológicas e cognitivas.
De um simples mapa a um assistente de viagem
O fascínio não se limita ao ponto de luz se movendo sobre o oceano. A indústria está expandindo o conceito. O FlightPath3D transformou o mapa em uma plataforma interativa: agora ele exibe prévias de destinos, rotas globais animadas, mapas infantis com animais, sugestões turísticas e até mesmo preços do Uber para chegar ao centro da cidade após o pouso.
Além disso, a Cathay Pacific lançou "My Journey" em 2024, uma experiência que combina uma jornada animada com informações sobre serviços de bordo e pontos de interesse. A Panasonic Avionics, por sua vez, desenvolveu o Arc, que integra dados em vários monitores de bordo para que o progresso do voo acompanhe o passageiro mesmo enquanto assiste a um filme. E na área de acessibilidade, a Delta estabeleceu um marco com seu mapa de alto contraste, iconografia ampliada e paletas compatíveis com daltonismo, que incorporarão narração de voz com atualizações em tempo real no futuro. O que começou como um simples gráfico de linhas na década de 1980 evoluiu para um produto sofisticado que visa ser inclusivo, personalizado e lucrativo para as companhias aéreas.
Uma obsessão pelo futuro
O apelo do mapa não é uma moda passageira. Ele decorre da combinação de três tendências: a busca pela calma em ambientes sobrecarregados de estímulos, o desejo de controle e orientação espacial e a evolução tecnológica do próprio produto. Em tempos de excesso de escolhas — centenas de horas de cinema e televisão em cada poltrona — o mapa oferece algo mais básico e poderoso: a certeza de saber onde estamos.
Como aponta o Washington Post, para alguns viajantes, olhar o mapa é tão necessário quanto apertar o cinto. E, como a Delta reconhece, isso já é o destaque de sua oferta digital. Puddy pode ter parecido excêntrico em Seinfeld, mas três décadas depois, descobriu-se que ele estava simplesmente à frente da tendência.
Imagem | FreePik
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