A morte, na maioria das vezes, não é bem recebida por todo mundo. E uma das partes mais difíceis da perda é decidir o que fazer com os “restos mortais” de quem se foi. Urnas e cerimônias tradicionais carregam um peso emocional e, muitas vezes, ambiental. Mas e se fosse possível ressignificar esse momento? Para algumas pessoas ao redor do mundo, a despedida está acontecendo no fundo do oceano, na forma de um recife de coral vivo. Empresas especializadas têm transformado cinzas de cremação em estruturas subaquáticas, como se fossem corais, que funcionam ao mesmo tempo como memorial e como ferramenta de restauração ambiental.
O que é um memorial de coral?
O memorial de coral é uma ideia muito nova, que surgiu da tentativa de repensar a forma como lidamos com a morte e com a memória dos entes queridos. Ao invés de ocupar espaço em cemitérios ou se limitar a um ritual simbólico para a despedida, o memorial propõe uma lembrança que continua viva no mundo, mesmo que no fundo do oceano.
Mas como funciona na prática? O conceito é simples na ideia, mas a execução é um pouco mais complexa. As cinzas de uma pessoa ou até de um animal de estimação são combinadas com materiais naturais, como conchas de ostras trituradas, areia vulcânica e carbonato de cálcio, para formar estruturas que imitam os recifes naturais. Esses blocos são então moldados ou impressos em 3D e posicionados no fundo do mar, em áreas degradadas.
No Reino Unido, a startup Resting Reef é pioneira ao oferecer um serviço de sepultamento sustentável. A cofundadora Aura Murillo contou que a ideia surgiu após a morte do pai, quando se frustrou com a frieza do setor funerário tradicional. Ela idealizou tudo ao lado de Louise Skajem, sua cofundadora, que ajudou a criar um tipo de memorial sustentável que devolve algo ao planeta.
Como memoriais feitos com cinzas humanas estão sendo usados para recuperar recifes degradados e atrair vida marinha?
Os corais artifical atrai espécies de peixes e outras espécies marinhas. Créditos: The Weather Channel
E se a morte pudesse trazer a vida novamente? É exatamente isso que os corais memoriais propõem. Além do simbolismo, os memoriais de coral têm um objetivo de ajudar a recuperar ecossistemas marinhos ameaçados. Hoje, a maior parte dos recifes naturais está ameaçada, seja pelo aquecimento das águas, pela poluição ou ação humana direta.
No caso da Resting Reef, os dados de monitoramento chamam atenção. Os recifes memoriais instalados no norte de Bali passaram a registrar uma biodiversidade muito maior do que áreas degradadas próximas, atraindo dezenas de espécies de peixes e outras espécies marinhas. A empresa afirma que essas estruturas chegam a concentrar muitas vezes mais vida do que o entorno.
Entenda por que memoriais subaquáticos divide ambientalistas e pesquisadores
Os memoriais subaquáticos surgiram como uma alternativa sustentável e simbólica aos funerais tradicionais, mas divide opiniões entre ambientalistas e pesquisadores. Por um lado, os cemitérios exigem grandes áreas desmatadas, uso intensivo de materiais como cimento e produtos químicos que podem contaminar o solo. Os memoriais subaquáticos, por outro lado, tentam reduzir esse impacto oferecendo uma despedida considerada mais sustentável.
Ainda assim, a ideia é controversa. Parte dos cientistas alertam que qualquer estrutura artificial no oceano pode alterar correntes, a circulação da água e o comportamento dos organismos locais. Segundo eles, os recifes artificiais não atacam a raiz do problema, que está ligada às mudanças climáticas e ao aquecimento global. Em contrapartida, não dá para negar que essas estruturas podem cumprir funções complementares, como proteção costeira, recuperação de áreas impactadas por pesca predatória e incentivo a atividades turísticas controladas.
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