Quase sete séculos depois, cientistas resolvem um dos maiores mistérios sobre a Peste Negra

Um novo estudo lança luz sobre uma pergunta que ninguém sabia responder: por que a pandemia eclodiu justamente no século 14?

Peste Negra / Imagem: Wikipedia
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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Poucos episódios na história da humanidade são tão famosos, estudados e debatidos quanto o da Peste Negra, a epidemia que espalhou a morte pela Europa entre 1347 e 1353. Ainda assim, havia um enigma remanescente a ser resolvido: por que a epidemia aconteceu naquela época e daquela forma? Por que essa onda de morte se deu no século 14, e não antes ou depois?

Foi essa incógnita que Martin Bauch e Ulf Büntgen, do GWZO e da Universidade de Cambridge, respectivamente, quiseram solucionar em um estudo recém-publicado na Communications Earth & Environment.

Talvez o aspecto mais curioso do estudo de Bauch e Büntgen seja que ele não começa nos arquivos históricos — ou, pelo menos, esse não foi seu principal campo de trabalho. O ponto central da pesquisa está nos montes Pirineus espanhóis, mais especificamente nos pinheiros seculares encontrados ali.

Peste negra

Ao estudar o interior de seus troncos em busca de pistas sobre o clima medieval da Europa, os pesquisadores se depararam com algo inesperado: uma sucessão de “anéis azuis”. Para a maioria das pessoas, esse detalhe passaria despercebido, mas Bauch e Büntgen enxergaram ali algo importante: a evidência de uma sequência de verões mais frios e úmidos do que o normal.

“Verões incomuns”

Quando a temperatura cai, as árvores não conseguem lignificar corretamente suas células, o que deixa uma marca azulada no registro dos anéis do tronco. Nos pinheiros dos Pireneus, os cientistas encontraram marcas desse tipo que os levam a crer que grande parte do sul da Europa deve ter passado por “verões excepcionalmente frios e úmidos” em 1345, 1346 e 1347.

Mais ainda: ao investigar bibliotecas e fontes escritas, eles encontraram indícios que apontam exatamente na mesma direção — um período marcado por “nebulosidade incomum e eclipses lunares escuros”. A pergunta seguinte é… o que causou essa mudança no clima? E por que isso é importante?

Sobre a primeira questão, os pesquisadores têm poucas dúvidas. Na opinião deles, a queda das temperaturas no verão foi causada por uma erupção vulcânica (ou até por uma sequência delas), registrada por volta do ano de 1345, que desencadeou um efeito dominó fatal: uma ejeção considerável de cinzas e gases vulcânicos, os quais formaram uma camada na atmosfera e provocaram a queda das temperaturas, assim como ocorreu em outros episódios ao longo da história.

Quanto à segunda pergunta — por que é importante que um vulcão tenha começado a liberar gases e cinzas há quase sete séculos? —, a resposta é simples: a agricultura. As mudanças climáticas não deixaram marcas apenas nos troncos centenários do Pireneu central; elas também castigaram os campos da região mediterrânea, reduzindo as colheitas e gerando perdas que ameaçavam evoluir para a fome e a instabilidade social.

Diante desse cenário, as poderosas repúblicas marítimas da Itália fizeram o mais lógico: fretar navios para importar grãos do Leste, da região do Mar Negro, mais especificamente da Horda de Ouro, na área do Mar de Azov.

Não importava que Gênova e Veneza estivessem em guerra com os mongóis. A fome apertava, a ameaça de tumultos se aproximava e a diplomacia europeia fez seu trabalho. Já avançado o ano de 1347, os navios carregados de grãos começaram a chegar à Europa, descarregando sua valiosa mercadoria em portos do Mediterrâneo.

Algo além de grãos

O problema é que, nos porões dos navios mobilizados por Veneza e Gênova — os mesmos que deveriam evitar que a Europa fosse assolada pela fome —, não havia apenas toneladas de grãos. A bordo, eles traziam pulgas infectadas com Yersinia pestis, o bacilo responsável pela peste bubônica.

Pinheiros dos montes Pirineus

“Ainda se desconhece a origem exata dessa bactéria mortal, mas o DNA antigo sugere que pode ter existido um reservatório natural em jerbos selvagens em algum ponto da Ásia Central”, explicam os autores. O resultado: os navios de grãos transformaram-se repentinamente em vetores de uma doença fatal, a bactéria saltou de roedores para humanos e a Peste Negra rapidamente se espalhou pela Europa, trazendo algo muito pior do que a fome.

Os navios da Peste Negra

O resto é história conhecida. Entre 1347 e 1353, a doença matou milhões de pessoas. Costuma-se dizer que a peste ceifou a vida de 60% da população europeia, porcentagem que alguns elevam a 65%, embora, nos últimos anos, alguns estudos tenham alertado que esse cálculo pode estar superestimado e que houve regiões em que o contingente populacional se manteve.

“Em muitas cidades europeias, é possível encontrar evidências da Peste Negra quase 800 anos depois”, explicam Büntgen e Bauch. “Também conseguimos demonstrar que muitas cidades italianas, como Milão e Roma, provavelmente não foram afetadas, porque não precisaram importar grãos após 1345”.

O estudo é interessante por várias razões. A principal delas é que lança nova luz sobre um aspecto básico e (até então) enigmático da Peste Negra. Sabíamos do papel da Yersinia pestis, dos navios, da função desempenhada pelos roedores, conhecíamos o trágico balanço de mortos e seu impacto na sociedade, na cultura e na economia da Europa. Mas não sabíamos por que a epidemia eclodiu exatamente quando ocorreu, e não antes ou depois.

A sucessão de fatores é tão fascinante que os pesquisadores falam em uma “tempestade perfeita”, na qual se somaram elementos de ordem climática, agrícola, social e econômica. Um coquetel que, eles insistem, não fala apenas da Idade Média.

“Embora essa coincidência pareça incomum, é provável que a chance de surgirem doenças zoonóticas devido às mudanças climáticas e de elas se transformarem em pandemias aumente em um mundo globalizado”, acrescenta Büntgen. “Isso é especialmente relevante à luz de nossas experiências recentes com a pandemia de COVID”.

Imagens | Wikipedia e University of Cambridge

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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