Muita gente pensa no Império Romano e geralmente o pensamento vem com a imagem de legiões organizadas, estradas impecáveis e uma máquina militar praticamente imbatível. No entanto, uma descoberta feita longe de muralhas, espadas e armaduras revela que parte do sofrimento dos soldados vinha de um inimigo invisível e extremamente íntimo: parasitas intestinais.
Pesquisadores das Universidades de Cambridge e Oxford analisaram sedimentos retirados de canais de drenagem ligados às latrinas comunitárias do forte romano de Vindolanda, no norte da Inglaterra. O material, preservado por quase dois mil anos, trouxe evidências claras de que os ocupantes da fortaleza sofriam com diarreia, dores abdominais e infecções crônicas causadas por vermes e protozoários.
Publicado no início de dezembro na revista científica Parasitology, o estudo examinou 50 amostras coletadas ao longo de nove metros de valas que, na Antiguidade, conduziam os dejetos humanos até um riacho próximo. Em cerca de 28% delas, os pesquisadores identificaram ovos de lombrigas (Ascaris lumbricoides) e tricocéfalos (Trichuris trichiura), parasitas conhecidos por causar inflamações intestinais, perda de nutrientes e episódios recorrentes de diarreia.
Uma das amostras chamou atenção por conter vestígios de ambas as espécies. Diante disso, os cientistas aplicaram um teste mais avançado, o ensaio imunoenzimático (ELISA), capaz de detectar proteínas produzidas por organismos unicelulares. Foi assim que surgiu uma descoberta inédita: traços de Giardia duodenalis, marcando a primeira evidência conhecida de giárdia na Grã-Bretanha durante o período romano.
A disseminação desses parasitas está diretamente associada a condições precárias de saneamento básico. Contato com fezes humanas, água contaminada e alimentos mal higienizados criam o cenário ideal para a propagação dessas infecções — algo comum em ambientes militares, onde grandes grupos dividiam espaços reduzidos e infraestrutura limitada. Não por acaso, padrões semelhantes já foram identificados em outros fortes romanos na Áustria, Holanda e Escócia.
O que restou do forte romano onde a pesquisa foi feita.
Segundo a arqueóloga Marissa Ledger, líder do estudo em Cambridge, os três tipos de parasitas encontrados poderiam ter causado desnutrição e enfraquecimento progressivo dos soldados. Embora os romanos tivessem algum conhecimento sobre vermes intestinais, seus tratamentos eram pouco eficazes. Na prática, isso significava conviver com sintomas persistentes, que afetavam diretamente o desempenho físico e a capacidade de combate.
Os impactos iam além das fileiras militares. Apesar de os soldados não terem permissão legal para se casar, Vindolanda abrigava mulheres e crianças, como mostram outras evidências arqueológicas. Para os mais jovens, infecções intestinais crônicas representavam um risco ainda maior, podendo causar atraso no crescimento, prejuízos cognitivos e até morte por desidratação.
Ao investigar algo tão banal quanto antigos banheiros, os pesquisadores ajudam a desmontar a visão idealizada da vida romana. Longe da glória retratada em livros e filmes, a realidade nas fronteiras do império incluía doenças silenciosas, sofrimento constante e um corpo fragilizado — lembrando que, muitas vezes, os maiores inimigos da história não empunhavam armas.
Créditos de imagens: Xataka Brasil, Vindolanda Trust.
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