O inimigo invisível: escavação em latrinas revela o sofrimento secreto dos soldados romanos

Análise de dejetos preservados em um forte no norte da Inglaterra expõe como doenças intestinais silenciosas enfraqueciam tropas romanas longe dos campos de batalha

Crédito de imagem: Xataka Brasil
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João Paes

Redator
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João Paes

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Escreve sobre tecnologia, games e cultura pop há mais de 10 anos, tendo se interessado por tudo isso desde que abriu o primeiro computador (há muito mais de 10 anos). 

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Muita gente pensa no Império Romano e geralmente o pensamento vem com a imagem de legiões organizadas, estradas impecáveis e uma máquina militar praticamente imbatível. No entanto, uma descoberta feita longe de muralhas, espadas e armaduras revela que parte do sofrimento dos soldados vinha de um inimigo invisível e extremamente íntimo: parasitas intestinais.

Pesquisadores das Universidades de Cambridge e Oxford analisaram sedimentos retirados de canais de drenagem ligados às latrinas comunitárias do forte romano de Vindolanda, no norte da Inglaterra. O material, preservado por quase dois mil anos, trouxe evidências claras de que os ocupantes da fortaleza sofriam com diarreia, dores abdominais e infecções crônicas causadas por vermes e protozoários.

Publicado no início de dezembro na revista científica Parasitology, o estudo examinou 50 amostras coletadas ao longo de nove metros de valas que, na Antiguidade, conduziam os dejetos humanos até um riacho próximo. Em cerca de 28% delas, os pesquisadores identificaram ovos de lombrigas (Ascaris lumbricoides) e tricocéfalos (Trichuris trichiura), parasitas conhecidos por causar inflamações intestinais, perda de nutrientes e episódios recorrentes de diarreia.

Uma das amostras chamou atenção por conter vestígios de ambas as espécies. Diante disso, os cientistas aplicaram um teste mais avançado, o ensaio imunoenzimático (ELISA), capaz de detectar proteínas produzidas por organismos unicelulares. Foi assim que surgiu uma descoberta inédita: traços de Giardia duodenalis, marcando a primeira evidência conhecida de giárdia na Grã-Bretanha durante o período romano.

A disseminação desses parasitas está diretamente associada a condições precárias de saneamento básico. Contato com fezes humanas, água contaminada e alimentos mal higienizados criam o cenário ideal para a propagação dessas infecções — algo comum em ambientes militares, onde grandes grupos dividiam espaços reduzidos e infraestrutura limitada. Não por acaso, padrões semelhantes já foram identificados em outros fortes romanos na Áustria, Holanda e Escócia.

Crédito de imagem: Vindolanda Trust O que restou do forte romano onde a pesquisa foi feita.

Segundo a arqueóloga Marissa Ledger, líder do estudo em Cambridge, os três tipos de parasitas encontrados poderiam ter causado desnutrição e enfraquecimento progressivo dos soldados. Embora os romanos tivessem algum conhecimento sobre vermes intestinais, seus tratamentos eram pouco eficazes. Na prática, isso significava conviver com sintomas persistentes, que afetavam diretamente o desempenho físico e a capacidade de combate.

Os impactos iam além das fileiras militares. Apesar de os soldados não terem permissão legal para se casar, Vindolanda abrigava mulheres e crianças, como mostram outras evidências arqueológicas. Para os mais jovens, infecções intestinais crônicas representavam um risco ainda maior, podendo causar atraso no crescimento, prejuízos cognitivos e até morte por desidratação.

Ao investigar algo tão banal quanto antigos banheiros, os pesquisadores ajudam a desmontar a visão idealizada da vida romana. Longe da glória retratada em livros e filmes, a realidade nas fronteiras do império incluía doenças silenciosas, sofrimento constante e um corpo fragilizado — lembrando que, muitas vezes, os maiores inimigos da história não empunhavam armas.


Créditos de imagens: Xataka Brasil, Vindolanda Trust.

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