As baterias de lítio-enxofre para carros elétricos têm um problema; as fezes humanas podem ser a solução

Impulsionar baterias de lítio-enxofre usando aquilo que os próprios humanos produzem já não é uma ideia distante

Resíduos de esgoto para criar carvão ativado / Imagem: AS, Tomás Freres
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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A indústria automotiva se lançou nos braços da eletrificação. Seja com híbridos, plug-in ou 100% elétricos, todos usam baterias — e o fator chave para convencer mais usuários a abandonar os carros a combustão é garantir autonomias maiores. As baterias de estado sólido são uma das tecnologias em pesquisa, mas há outras muito promissoras, como as de lítio-enxofre, e a Universidade de Córdoba (Argentina) acredita que existem dois ingredientes secretos para melhorar a fórmula: urina e excrementos.

Enquanto buscamos uma economia de escala que permita a popularização das baterias de estado sólido, as de lítio-enxofre surgem como uma das grandes esperanças para os carros elétricos. Elas têm o dobro da densidade energética real das baterias de íons de lítio, o enxofre é extremamente abundante e barato (se comparado a materiais críticos como cobalto ou níquel), não está sob controle da China, são mais seguras (porque o risco de fuga térmica é menor) e o impacto ambiental é reduzido.

Mas essas baterias não são perfeitas: sua condutividade é baixa, os processos de fabricação ainda não estão tão otimizados quanto os das alternativas atuais e, principalmente, sua vida útil ainda é limitada — embora esse ponto esteja evoluindo, o padrão atual é de apenas 300 a 500 ciclos de recarga, contra os 1.000 a 3.000 das baterias de íons de lítio. Ainda assim, como dito, elas se configuram como uma tecnologia promissora — e a Universidade de Córdoba quer que um dos ingredientes dessa bateria seja… cocô.

Baterias a partir de resíduos

O Instituto Químico para a Energia e o Meio Ambiente, ou IQUEMA, da Universidade de Córdoba publicou um estudo no qual testa o potencial dos resíduos de uma estação municipal de tratamento de esgoto para convertê-los em carvão ativado. Trata-se de um material essencial para as baterias de lítio-enxofre, já que funciona como condutor, e os pesquisadores consideram que essa pode ser a resposta ao desafio de otimizar os eletrodos desse tipo de bateria.

O enxofre tem vantagens, mas uma das grandes deficiências é seu baixo índice de condutividade. Para resolver isso, é necessário carvão ativado e outras matrizes condutoras que são caras de produzir. Mas, claro, se essa matriz condutora for criada a partir de resíduos que todas as cidades do mundo produzem, a situação muda.

Para isso, o IQUEMA utilizou dejetos provenientes da estação de tratamento de águas residuais de Villaviciosa de Córdoba. Essa planta utiliza um sistema de tratamento que gera um lodo com uma composição interessante para realizar o experimento:

  • É rico em matéria orgânica.
  • Também contém metais, nitrogênio e fósforo.

Combinados, esses elementos permitem criar um material com um bom índice de desempenho eletroquímico. O processo é o seguinte:

  • Secagem: o lodo é seco e pulverizado.
  • Modificação química: adiciona-se potássio como agente químico para tornar o material mais poroso.
  • Pirólise: a mistura é submetida a temperaturas de 800 °C para converter a matéria orgânica em carvão ativado.
  • Mistura com enxofre: assim, o enxofre fica retido na matriz de carvão ativado e o último passo seria integrá-lo aos eletrodos da bateria.

As pesquisadoras descobriram que o carvão ativado obtido possui propriedades ideais para ser utilizado como material nessas baterias. Sua estrutura porosa e a dopagem com nitrogênio melhoram o transporte de elétrons e íons e o material resultante apresenta um alto teor de enxofre. Isso permite que a bateria tenha grande estabilidade eletroquímica.

Ou seja, um dos grandes problemas dessa tecnologia — a baixa condutividade do enxofre no cátodo — é mitigado pela matriz criada a partir dos lodos de Villaviciosa de Córdoba. E, devido à natureza da matéria-prima, ela é mais fácil de reciclar do que outras baterias convencionais, para as quais é necessário desenvolver tecnologias adicionais para garantir a sustentabilidade.

Segundo as pesquisadoras, trata-se de um caminho que vale a pena explorar porque “triplica a capacidade de armazenamento de uma bateria de íons de lítio”.

Considerando os resultados, é provável que vejamos mais estudos seguindo essa mesma direção. É algo que resolve um problema duplo: a gestão de resíduos municipais e o fornecimento de um material essencial para as baterias de lítio-enxofre. E o interessante é que o IQUEMA não ficou apenas nos lodos da estação de tratamento.

Anteriormente, o instituto explorou o potencial de subprodutos agroindustriais, como caroços de azeitona e abacate, além de cascas de amêndoa e pistache. O problema é que esses materiais já têm demanda em outros setores (como compostagem e aquecimento), e é aí que está a grande vantagem dos excrementos humanos: “ninguém” os quer.

Imagens | AS, Tomás Freres

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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