Muito antes de Elon Musk colocar a Tesla nas manchetes ou da BYD dominar o mercado de elétricos no Brasil, o país já tinha o seu próprio carro movido a bateria — e ele surgiu em plena ditadura militar. Em 1974, o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel apresentou o Gurgel Itaipu E150, o primeiro carro elétrico produzido na América Latina. O projeto era tão ousado que beirava a ficção científica: Gurgel queria criar uma frota de veículos compartilhados, cada um com sua vaga e tomada própria espalhada pelas ruas de Rio Claro (SP), décadas antes de Uber, aplicativos e hubs de recarga existirem.
Pequeno e futurista, o Itaipu tinha carroceria de fibra de vidro, pouco mais de 2,6 metros de comprimento e espaço justo para motorista e carona. O motor elétrico gerava apenas 4,2 cavalos de potência, o suficiente para atingir 50 km/h e percorrer cerca de 80 km por carga. As dez baterias de chumbo-ácido — três na frente, duas atrás dos bancos e cinco no porta-malas — levavam até 10 horas para recarregar em uma tomada comum. Um detalhe curioso: a alavanca de direção, no painel, substituía o câmbio tradicional e permitia alternar entre “frente”, “ré” e “ponto morto”.
Mas o sonho durou pouco. Sem apoio governamental e com limitações tecnológicas da época, o projeto não passou da fase de protótipo — cerca de 20 unidades foram fabricadas. Ainda assim, o idealista Gurgel não desistiu. Em 1981, ele lançou o Itaipu E-400, uma versão comercial voltada a frotas corporativas e empresas estatais. Era um veículo utilitário elétrico capaz de carregar 400 kg e percorrer 80 km por carga, atendendo a exigências da Eletrobras para renovação de sua frota.
Com motor Villares de 10 kW (13,6 cv) e câmbio manual de quatro marchas, o E-400 era tão pesado que suas oito baterias representavam mais de um terço do peso total, ultrapassando 1,5 tonelada. Ainda assim, o modelo chamou atenção do presidente João Figueiredo e chegou a ser encomendado por empresas como o Banco Itaú, Souza Cruz e companhias elétricas estaduais.
Foram produzidas 76 unidades do E-400 e 11 do E-500, sua versão maior. A curta vida do projeto mostrou tanto o brilho visionário de Gurgel quanto o peso de tentar inovar em um país sem infraestrutura, incentivos ou cadeia de produção para veículos elétricos.
Hoje, 50 anos depois, o Gurgel Itaipu é lembrado como um símbolo do que o Brasil poderia ter sido — um pioneiro que chegou cedo demais, com um sonho elétrico em um país ainda preso ao petróleo.
Crédito de imagens: Marco de Bari/Quatro Rodas
Ver 0 Comentários