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A empresa de tecnologia que ignora Wall Street, não vai à bolsa, gasta 3x mais em P&D do que em marketing e aumentou em 36% sua receita anual em 2024 no Brasil

Rajesh Ganesan, CEO global da ManageEngine | Foto: Reprodução
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Matheus de Lucca

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Matheus de Lucca

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Editor-chefe do Xataka Brasil. Jornalista há 10 anos, entusiasta de tecnologia, principalmente da área de computação e componentes de PC. Saudosista da época em que em vez de um celular fazer tudo que se possa imaginar, tínhamos MP3, alarme e relógio.

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No universo da tecnologia, a cartilha parece clara: comece com uma boa ideia, receba rodadas de investimento de capital de risco (VC), cresça a qualquer custo e, finalmente, abra capital na bolsa (IPO) ou seja vendido para um gigante do setor. Este é o caminho do Vale do Silício. Mas uma empresa de software corporativo que cresce exponencialmente no Brasil decidiu rasgar o manual e seguir o caminho oposto.

Com 23 anos de mercado, a ManageEngine, divisão da Zoho Corporation, opera sob uma filosofia radicalmente diferente. “Somos completamente autosuficientes, com zero capital externo, nenhuma empresa de capital de risco”, afirma Rajesh Ganesan, CEO global da ManageEngine. Segundo ele, a empresa tem sido lucrativa em todos os anos de sua existência.

A ManageEngine é uma empresa focada em gestão de TI e cibersegurança. Sediada em Chennai, Índia, a empresa opera 20 escritórios em todo mundo, sendo dois no Brasil — em São Paulo e Florianópolis. Com mais 5 mil funcionários, a ManageEngine possui clientes de grande escala e mais de 1.100 empresas brasileiras já utilizaram os produtos da empresa em 2023. O Brasil é o maior mercado da América Latina, com aumento de 36% na receita anual em 2024. A empresa quer ampliar ainda mais sua presença em mercados emergentes, com foco em cibersegurança, automação e IA para ambientes corporativos.

E como uma empresa fora do eixo do Vale do Silício opera de tal maneira? A diferença mais gritante está na alocação de recursos. Enquanto startups e big techs despejam rios de dinheiro em publicidade, a política interna da companhia é de não gastar mais de 20% de sua receita em marketing. Em contrapartida, cerca de “65% vai para o desenvolvimento de produtos e P&D", diz o CEO. "Poucas companhias no mundo podem fazer essa alegação".

Rajesh Ganesan, CEO da ManageEngine | Foto: Reprodução Rajesh Ganesa, CEO global da ManageEngine, em evento em São Paulo | Foto: Reprodução

Essa economia com marketing e vendas é então repassada aos clientes. “Somos capazes de devolver esse benefício aos consumidores”, explica Ganesan, não necessariamente com preços mais baixos, mas com um “preço muito razoável” e a capacidade de investir em equipes locais maiores.

Essa abordagem se estende à visão de futuro da empresa, que desafia a lógica de saídas estratégicas do mercado. “Não vamos abrir capital. Não temos intenções de sair do negócio vendendo a empresa, então continuaremos a servir os clientes". Essa promessa de estabilidade é um dos principais diferenciais da marca, que busca construir uma relação de confiança. É uma aposta na longevidade e na parceria em um mercado obcecado pela próxima grande disrupção.

Zia, a IA explicável da ManageEngine

Enquanto o debate sobre inteligência artificial frequentemente orbita em torno de “caixas-pretas” mágicas e o medo do descontrole, a ManageEngine está implementando uma abordagem focada em transparência e responsabilidade. A filosofia é clara: “a IA deve ser responsável antes de ser generativa ou preditiva”.

Zia é a inteligência artificial desenvolvida pela Zoho Corporation e aplicada pela
divisão da ManageEngine para impulsionar a automação, a eficiência e a
personalização no gerenciamento de TI e em outros departamentos corporativos. Inicialmente criada como assistente virtual nas soluções Zoho, a Zia evoluiu para se tornar uma plataforma robusta integrada a diversos produtos da empresa.

No coração dessa estratégia está o conceito de “IA Explicável” (Explainable AI), uma característica fundamental da Zia. Quando a Zia toma uma decisão autônoma, ela não age em segredo — um administrador pode fazer uma auditoria e ver a explicação da própria IA: “Quais dados ela viu, a que inferência chegou e qual ação está tomando e por qual motivo”, explica Ganesan.

O recurso mais impressionante, no entanto, é a autoconsciência da plataforma sobre suas próprias limitações. A Zia informa ao administrador seu próprio nível de confiança sobre os dados de um cliente específico. Ganesan exemplifica: “Estou me sentindo 70% confiante, o que significa que a Zia terá 70% de precisão”. Com esse nível de confiança, a IA não tomará muitas decisões por conta própria; ela se limitará a oferecer sugestões.

A autonomia total só é destravada quando a confiança algorítmica atinge um patamar elevado. Os clientes podem configurar o sistema para que ações autônomas só ocorram quando o nível de confiança e precisão ultrapassar 90% ou 95%.

A empresa também aborda o problema do viés, um dos maiores desafios da IA. Por ser uma IA construída para o contexto de negócios e não para o consumo geral, a Zia é treinada com dados corporativos, que “tipicamente têm muito menos viés”. Ainda assim, a companhia admite que, apesar dos melhores esforços, vieses podem surgir, e por isso os modelos são constantemente retreinados para reduzi-los.

Cibersegurança em foco

O Brasil é um dos países que mais sofrem com ataques cibernéticos. Conforme dados da HackerSec, empresa de cibersegurança ofensiva nacional, o país registrou 23 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos no primeiro semestre de 2023. Para efeito de comparação, na América Latina a segunda nação mais visada foi o México, com 14 bilhões.

A ameaça número um hoje tem nome: ransomware. Para as equipes de segurança, a batalha é encontrar a proverbial “agulha no palheiro”: um único ataque em meio a uma quantidade colossal de dados gerados por firewalls, servidores e dispositivos de funcionários.

É nesse cenário que a inteligência artificial se torna uma aliada crucial. Usando modelos de machine learning, ferramentas de segurança conseguem prever comportamentos anormais de usuários e sistemas. Essa tecnologia é chamada de "Análise de Comportamento de Usuário e Entidade" (UEBA).

Na prática, isso significa que a IA pode soar um alarme ao detectar atividades suspeitas que um humano dificilmente perceberia. Por exemplo: “Por que o tráfego da rede aumentou às 3 da manhã, se não é uma Black Friday?”, exemplifica Tonimar Dal Aba, gerente técnico da ManageEngine no Brasil. Ou: “Por que o banco de dados está sendo alterado durante o horário de trabalho, se os administradores geralmente fazem isso após o expediente?”.

No combate direto ao ransomware, essa abordagem se mostra especialmente eficaz. Como detalha Ganesan, o ransomware moderno age de forma sutil: ele se instala no dispositivo e pode permanecer inativo por 30, 60 ou 90 dias, agindo como um software normal antes de começar a criptografar arquivos e pedir o resgate. Softwares de segurança com IA são capazes de detectar essa anomalia. Segundo a ManageEngine, sua solução anti-ransomware é capaz de detectar mais de 95% das ameaças com precisão, de acordo com uma avaliação de terceiros.

Rajesh Ganesan, CEO global da ManageEngine em evento em São Paulo | Foto: Reprodução Rajesh Ganesan, CEO global da ManageEngine em evento em São Paulo | Foto: Reprodução

O próximo passo dessa tecnologia é o chamado “Endpoint Detection and Response” (EDR). Com ele, o sistema não apenas detectará o ransomware, mas tomará “ações corretivas imediatas sem qualquer intervenção do administrador”. Em um mundo em que cada segundo conta, a resposta autônoma e inteligente se torna a principal linha de defesa.

O futuro da ManageEngine no Brasil

Kishore Kumaar, country manager da ManageEngine no Brasil, detalha os planos da ManageEngine para o país: "Somos uma empresa indiana, mas nossa ideia é projetar para o mercado que somos uma marca brasileira, a melhor do ramo para infraestrutura e cibersegurança".

Para isso, os planos envolvem ter ainda mais presença local. Para além dos escritórios em São Paulo e Florianópolis, a ManageEngine quer estabelecer mais parceiros locais com integradores de sistemas e revendedores de renome, para que empresas possam ter provedores regionais que atendam a suas demandas. "Atualmente o foco é suporte pré-venda com suporte técnico pós-venda em inglês, vindo da Índia, mas queremos ter essa presença ainda mais local", continua Kumaar. Além disso, a ManageEngine pretende fazer mais ações locais para educar e treinar  os clientes no uso de suas ferramentas.

"O segredo do nosso sucesso é a mistura de culturas", acrescenta Dal Aba. "Nossa visão definitivamente é de longo prazo. O fato que mudamos uma pessoa [Kumaar] da Índia para o Brasil é um forte indicativo do quanto queremos desenvolver o negócio aqui".

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