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O aumento inevitável das viagens aéreas nos leva a uma realidade: não há lugares, nem aviões, nem planeta para tanto turista

A questão não é mais apenas como viajaremos no futuro, mas se o planeta pode se permitir que façamos isso todos, o tempo todo

Turismo em excesso / Imagem: RawPixel
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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Antes que os aeroportos se transformassem em pequenas cidades e as companhias low cost se multiplicassem enchendo os céus da Europa, voar era um privilégio reservado a poucos. Hoje, ao contrário, o turismo global e de massa cresce sem freio, impulsiona as companhias aéreas a multiplicar rotas e aviões e ameaça não apenas os destinos mais icônicos, mas também a própria capacidade do planeta de sustentar tudo isso.

A aviação comercial reflete diretamente a evolução da economia mundial. Cada vez que o PIB global aumenta, cresce também o número de passageiros que voam e, com isso, a demanda por novos aviões para substituir os antigos ou expandir as frotas.

As crises — desde a bolha tecnológica até a recessão de 2008, passando pelos atentados de 11 de setembro, a pandemia de COVID e a guerra na Ucrânia — só conseguiram frear momentaneamente o tráfego aéreo. Após cada pausa, a curva sempre retomou sua tendência de crescimento, em torno de 4% ao ano. Os chamados Revenue Passenger Miles já se recuperaram aos níveis pré-pandemia, consolidando a ideia de que voar é uma das indústrias mais resilientes da globalização.

O “bleisure”

Embora a grande maioria dos quilômetros voados seja de turistas (estima-se que 85% do total), são os passageiros a negócios — apenas 12 a 15% do volume — que geram até três quartos dos lucros. Esses clientes pagam por assentos premium, fazem alterações de última hora e adquirem serviços adicionais.

No entanto, a pandemia introduziu um novo padrão: o “bleisure”, viagens que combinam trabalho e lazer graças à flexibilidade do teletrabalho. As companhias aéreas reagiram multiplicando as categorias de cabine e buscando atrair o viajante que não se contenta mais com o binômio tradicional entre turista low cost e executivo de primeira classe. A proliferação de classes intermediárias reflete um mercado em que as fronteiras entre trabalho e prazer se diluem cada vez mais.

A Forbes lembrou que a reabertura após a pandemia provocou o fenômeno do “revenge travel”: milhões de viajantes tiraram suas listas de lugares dos sonhos e se lançaram a visitar os destinos mais icônicos. A França, que lidera o turismo mundial há três décadas, superou 100 milhões de visitantes anuais; Espanha, Itália, Turquia e EUA completam o top cinco.

O problema? Essa avalanche teve um custo: o Coliseu, a Torre Eiffel e o Louvre vivem dias de saturação extrema, enquanto outros lugares emblemáticos tiveram de impor restrições. Notre Dame exige entradas com horário marcado, o Partenon limita os acessos, Machu Picchu fechou temporariamente e o Monte Fuji estabeleceu cotas e taxas. A lista de destinos “A” não cresce no ritmo da demanda e a pressão sobre esses mesmos espaços ameaça torná-los inabitáveis.

O conceito de “overtourism”, ou também “turistificação”, tornou-se o maior pesadelo dos destinos mais populares. Cidades como Veneza, Barcelona e Florença tiveram de impor limites à hospedagem turística, proibições a apartamentos de aluguel e taxas de acesso para tentar recuperar o equilíbrio perdido.

Turismo

O fenômeno não apenas diminui a qualidade de vida dos moradores, como também coloca em risco o próprio atrativo cultural e natural que atrai os visitantes. A saturação no verão, além disso, já não se concentra apenas em julho e agosto: os viajantes, impulsionados por ondas de calor extremo como as que atingiram a Europa em 2025, deslocam-se para o outono ou a primavera, estendendo a pressão ao longo de todo o ano. O que se pensava ser um alívio temporário tornou-se mais um aperto na situação.

Impacto climático

O crescimento das viagens aéreas não só pressiona cidades e monumentos, como também coloca o planeta contra as cordas. Estudos recentes estimam que o turismo é responsável por 8,8% das emissões globais, com a aviação concentrando até três quartos dessa pegada se forem incluídos efeitos indiretos, como as trilhas de condensação.

O problema é que a eficiência tecnológica avança muito lentamente: apenas 0,3% ao ano, frente a 3,8% de aumento do tráfego. Combustíveis sustentáveis, hidrogênio ou eletrificação ainda são projetos incipientes, incapazes de atender a voos de longa distância. Assim, cada novo avião entregue garante crescimento nas emissões, mesmo que os orçamentos de carbono do planeta já estejam praticamente esgotados.

A expansão do turismo aéreo gera um triplo limite: físico, social e climático. Físico porque aeroportos, aviões e cidades não conseguem absorver volumes ilimitados de viajantes. Social porque as comunidades locais começam a se rebelar contra a turistificação massiva, que encarece a moradia e degrada os espaços comuns. E climático porque a pegada de carbono do setor ameaça neutralizar qualquer avanço em direção às metas de sustentabilidade global.

O curioso é que, enquanto a indústria aeronáutica acumula uma carteira de pedidos superior a sete anos e defende que ainda há espaço para crescer, os especialistas em sustentabilidade e governança insistem que apenas com limites (cotas, taxas ambientais, diversificação de destinos) será possível evitar um colapso irreversível.

O dilema do turismo

Assim, o turismo de massa, tal como o conhecemos, enfrenta uma encruzilhada histórica. A indústria acelera rumo à expansão e os consumidores mantêm o desejo de viajar cada vez mais longe e com maior frequência, mas a realidade é que não há espaço físico suficiente, nem cidades capazes de absorver tantos visitantes, nem margem climática para sustentar um setor de crescimento infinito.

A questão, portanto, não é mais apenas como viajaremos no futuro, mas se o planeta pode se permitir que façamos isso todos, a qualquer hora e o tempo todo. Se quisermos também, o mito de um turismo global sem freio parece estar se fragmentando: porque não há espaço, não há aviões e não há planeta que resista a tanto turismo.

Imagem | RawPixel, PXHere

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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