Em Damgan, uma pequena vila costeira da Bretanha francesa, começaram a pintar as persianas de vermelho, azul ou verde, opções mais coloridas que o branco tradicionalmente usado nas fachadas. “Mandamos pintar”, reconhece o prefeito, Jean Marie-Labesse. Essa mudança cromática talvez pareça algo menor, mas diz muito sobre os desafios que a localidade enfrenta. O motivo da pintura é que Damgan é basicamente uma cidade de veraneio, e muitas de suas janelas passam quase o ano inteiro fechadas.
Ao colocar um toque de cor nas persianas, a prefeitura pretende (ao menos esteticamente) que Damgan não pareça o que realmente é: uma localidade que permanece dormente quase o ano todo devido ao peso das segundas residências.
O caso de Damgan é interessante porque revela um fenômeno que afeta muitas outras cidades turísticas, dentro e fora da França: o “boom” das segundas residências em detrimento das moradias habituais. Na vila francesa, porém, essa tendência é especialmente acentuada. O Le Parisien afirma que 74% dos imóveis do município são segundas residências, percentual que chegou a se aproximar de 80% antes que a prefeitura tomasse providências.
Na prática, esse percentual se traduz em casas e mais casas fechadas a cadeado durante a maior parte do ano e milhares de persianas abaixadas em um degradê de branco que a prefeitura quer evitar. Os dados são eloquentes. Calcula-se que, das 4.000 moradias do município, 3.000 sejam segundas residências. Traduzindo em habitantes, isso significa que a localidade passa de apenas 1.900 residentes no inverno para 30.000 durante julho e agosto.
Por que isso é importante?
Porque Damgan revela de forma extrema outro aspecto: como o desequilíbrio entre moradias sazonais e permanentes acaba trazendo prejuízos à cidade, ameaçando até alguns de seus serviços básicos, como as escolas. Labesse lembra, por exemplo, que no ano em que assumiu a prefeitura (2014), nasceu apenas um bebê em Damgan, e uma das turmas escolares da vila acabou correndo risco de ser fechada. “É uma questão crucial para o povoado”, insiste.
Outro ponto em que se faz sentir o peso das casas de veraneio é o mercado imobiliário. O Le Parisien conversou, por exemplo, com um carpinteiro de 50 anos da região que acabou de se separar e não consegue encontrar casa. Ele tem uma boa renda, mas isso não adianta muito. “Os trabalhadores não podem viver aqui; têm que se mudar para 20 km de distância, estamos nos tornando uma vila para pessoas idosas”, lamenta Hervé du Souich, da ‘Les Volets Ouverts’, uma iniciativa que intermedeia para que os moradores locais possam se hospedar em casas vazias da região.
Para além de Damgan
A vila da Bretanha francesa é interessante pelo que representa, mas está longe de ser um caso único. Segundo a French Property, na França continental existem cerca de 3,2 milhões de segundas residências, quase 10% do parque imobiliário. A imensa maioria pertence a cidadãos franceses, principalmente na costa, embora haja também entre 80.000 e 90.000 propriedades de britânicos. Em certas regiões do Mediterrâneo, como Languedoc-Roussillon ou Provença-Alpes-Costa Azul, as moradias de veraneio representam 14% do total.
Não muito longe de Damgan ficam Carnac e La Trinité, onde o percentual de segundas residências gira em torno de 72%. E grande parte dessas moradias, destaca o jornal parisiense, são usadas apenas algumas semanas por ano. Em Villard-de-Lans, em Isère, dois terços das moradias funcionam como segundas residências, e o percentual é ainda maior em algumas localidades da região. Esses dados deixam os trabalhadores que buscam moradia estável em uma situação complicada, reconhece Labesse: “O problema não é tanto o preço, mas a falta de oferta”.
Para além da França
A França também não é um caso isolado. Em Londres, as segundas residências e casas vazias representam um problema tão grave que as autoridades já buscam enfrentá-lo por meio de pressão fiscal. Segundo dados de 2023 do gabinete do prefeito, havia na cidade “30.000 moradias vazias” há muito tempo, com concentração particularmente alta em certos bairros, como Kensington e Chelsea. A Madison Trust Company mostra ainda que há regiões dos EUA, como Marinette-Iron Mountain, em que mais de 25% das residências são usadas de forma sazonal ou recreativa.
O fenômeno é bem conhecido na Espanha. Uma parte significativa do parque residencial de Ibiza e Formentera, por exemplo, é formada por segundas residências. Em 2023, o Diario de Ibiza revelava que, dos quase 86.000 imóveis das Pitiusas, 6.200 eram habitados de forma esporádica e 18.300 estavam vazios. Em alguns casos, o cenário é mais complexo, como na vila de Sant Joan, onde 44% das moradias eram consideradas não principais. São as cidades das persianas abaixadas.
Imagem | Mairie de Damgan
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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