O fenômeno das casas abandonadas, fortemente ligado à despovoação das áreas rurais, se repete em muitas partes do mundo. No Japão, essas casas são chamadas de Akiya, e já discutimos em várias ocasiões o problema da crise habitacional no país: nada menos que nove milhões de residências estão vazias.
As causas envolvem uma combinação de fatores demográficos, culturais e econômicos. Ainda assim, estamos falando do Japão, "aquele" lugar atraente e misterioso para tantos estrangeiros.
E se você decidir comprar uma Akiya? Bom, há motivos sólidos para pensar duas vezes antes de tomar essa decisão.
Akiya.
Como mencionamos, de acordo com estimativas feitas no último verão, existem cerca de nove milhões de casas vazias em todo o Japão. O número chama atenção por várias razões. A mais óbvia é a quantidade: são muitas, representando 13,8% de todas as residências do país.
Para ter uma ideia, se cada uma dessas casas pudesse abrigar três pessoas, seria suficiente para acomodar quase toda a população da Austrália. Além disso, o Instituto Nomura fez suas próprias projeções e estima que, na verdade, o número de akiya seja próximo de 11 milhões, podendo ultrapassar 30% em uma década.
Por que há tantas casas fantasma?
A explicação para o fenômeno das akiya está, em grande parte, ligada à crise demográfica do Japão. O país está perdendo população e, ao mesmo tempo, envelhecendo. Essas duas tendências estão interligadas e ajudam a entender o número desproporcional de casas vazias e abandonadas.
Muitas propriedades ficam desocupadas quando seus moradores, geralmente idosos, falecem ou se mudam para lares de repouso. Estimativas indicam que, até o final deste século, a população do Japão será de aproximadamente 53 milhões de pessoas, menos da metade dos 128 milhões registrados em 2017.
Além disso, a migração de jovens para as grandes cidades em busca de emprego tem deixado muitas áreas rurais despovoadas, aumentando o número de casas vazias nas mãos de uma população envelhecida, incapaz de cuidar delas. Essas casas são frequentemente vistas pelos locais como um "fardo".
Muitos herdeiros preferem não utilizá-las nem vendê-las, já que, no Japão, uma casa com mais de 30 anos é considerada "antiga". Essa percepção está ligada a preocupações com segurança, custos de renovação e até mesmo superstição, já que algumas pessoas acreditam que essas propriedades podem estar amaldiçoadas.
Oportunidade de casa "barata"
No mercado imobiliário japonês, algumas Akiya são vendidas por preços tão baixos quanto 10 mil dólares. Essa acessibilidade, combinada com a grande oferta de imóveis desse tipo, tem atraído o interesse de compradores e investidores internacionais.
Fatores como a pandemia e o aumento do trabalho remoto também contribuíram para que estrangeiros, tanto investidores quanto aqueles que buscam uma segunda residência, explorassem as oportunidades oferecidas por essas casas abandonadas, muitas vezes associadas à imagem idílica do Japão.
Sobre isso, Tetsuya Kaneko, diretor de pesquisa e consultoria da Savills Japão, afirmou à CNBC que o interesse estrangeiro tem crescido significativamente. Cada vez mais pessoas procuram propriedades desse tipo para fins comerciais, como casas de férias, projetos de renovação ou até mesmo para se aposentarem nelas.
Um caso
Um exemplo é o de Anton Wormann, um sueco que se mudou para o Japão em 2018, após se apaixonar pelo país durante uma viagem de trabalho. Em seis anos, ele adquiriu sete akiya e atualmente trabalha como criador de conteúdo e investidor imobiliário.
Sua estratégia de compra e renovação lhe permitiu gerar até 11 mil dólares mensais com aluguéis de curto prazo, mas isso só foi possível após investir cerca de 110 mil dólares nas propriedades. Wormann atribui seu sucesso ao tempo dedicado para entender a cultura, aprender o idioma e estabelecer conexões na comunidade local.
Pensar duas vezes
Como mencionamos no início, há um motivo importante para não aceitar a primeira oferta que aparece. Na verdade, é a mesma razão pela qual muitos japoneses evitam essas oportunidades “econômicas”.
Embora essas propriedades ofereçam possibilidades interessantes para quem busca um refúgio tranquilo ou projetos de renovação, elas também trazem riscos e custos adicionais.
Sobre isso, Wormann destaca que é essencial construir uma rede local e se adaptar às tradições japonesas para ter sucesso. “Você não pode chegar sem entender como o Japão funciona e investir às cegas, porque acabaria perdendo dinheiro”, alerta.
Uma renovação complicada
Para aqueles com experiência em reformas e que buscam um projeto de longo prazo, as akiya podem ser um bom investimento. No entanto, Kaneko alerta que esses imóveis não são ideais para investidores que procuram retornos rápidos ou em grande escala.
Os altos custos de renovação, especialmente em propriedades que exigem reparos estruturais, podem ultrapassar o valor de revenda em algumas regiões. Além disso, a barreira do idioma e a complexidade do sistema legal japonês representam desafios significativos para compradores estrangeiros.
Há mais questões a considerar. Como explicamos anteriormente, há um risco inerente em construções tão antigas. Essas casas muitas vezes apresentam sérios problemas de segurança, já que muitas estão sem manutenção há anos. Estudos indicam que essas propriedades podem estar sujeitas a desabamentos em caso de terremotos, deslizamentos de terra ou condições climáticas extremas.
Encontrar o "dono"
Mesmo que alguém queira adquirir uma akiya, seja para reformá-la ou demolir e construir algo novo no local, muitas vezes surge a dificuldade de localizar o proprietário. Não são raros os casos em que os descendentes não vivem mais na região, ou simplesmente não podem ser encontrados.
Esse conjunto de casas vazias acaba formando os famosos “vilarejos fantasma” nas áreas rurais do Japão, afastando ainda mais as famílias jovens dessas localidades.
Conclusão
Investir em akiya no Japão apresenta tanto oportunidades quanto desafios, e não são poucos. Embora essas propriedades possam ser uma alternativa econômica em comparação com outros mercados imobiliários globais, elas exigem um investimento significativo em tempo, dinheiro e esforço para se adaptar à cultura e às regulamentações locais.
Para aqueles dispostos a se comprometer e mergulhar na vida japonesa, as akiya podem se tornar um lar rentável ou um refúgio único para a vida toda. No entanto, fica claro que, antes de decidir comprar uma “casa no Japão”, é essencial compreender bem os custos e riscos envolvidos, especialmente no que diz respeito à restauração e ao contexto demográfico que alimenta o fenômeno das casas vazias no país.
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