Rússia lança seus foguetes espaciais da Área 31 há 60 anos; uma falha fatal ameaça pôr fim a essa história

Uma única falha mecânica, causada por erro humano, poderia acelerar a separação das trajetórias espaciais de Washington e Moscou

A Rússia lança seus foguetes espaciais da Área 31 há 60 anos. Uma falha fatal ameaça pôr fim a essa história.
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Fabrício Mainenti

Redator

A história da Área 31 em Baikonur é também a história do programa espacial russo: uma infraestrutura nascida na década de 1960, herdeira direta da era soviética, que por décadas sustentou os lançamentos tripulados mais confiáveis ​​do planeta. No entanto, uma simples falha em uma plataforma de serviço colocou esse legado em risco, deixando a Rússia à beira de ser temporariamente excluída dos voos espaciais tripulados.

Um descuido como espelho

O lançamento aparentemente rotineiro da Soyuz MS-28 escondeu uma catástrofe silenciosa: uma plataforma de serviço com mais de vinte toneladas, essencial para a preparação do foguete na histórica Área 31 em Baikonur, não foi fixada antes da decolagem. O resultado foi devastador.

A colossal pressão do motor arrancou a estrutura de sua base e a lançou na cratera em chamas, destruindo-a e danificando gravemente o único complexo russo ainda capaz de lançar missões tripuladas e naves de carga Progress para a Estação Espacial Internacional.

As imagens subsequentes revelaram uma cena que lembrava o declínio da era soviética, com a Roscosmos tentando minimizar uma falha que coloca em questão algo muito mais profundo do que um erro de procedimento: a capacidade real da Rússia de manter seu papel na última grande cooperação espacial que ainda a une ao Ocidente.

Baikonuhr como símbolo

O incidente irrompe no pior momento possível para Moscou. Após anos de subfinanciamento, fuga de cérebros e desvio de recursos para a guerra na Ucrânia, suas capacidades civis diminuíram a níveis que contrastam fortemente com a retórica oficial. Até recentemente, a Rússia estava reduzindo os lançamentos tripulados para economizar dinheiro; agora, enfrenta a possibilidade de ficar sem espaçonaves operacionais por meses ou até anos.

O que antes era uma rotina simples — preparar um foguete Soyuz — tornou-se um teste político para o Kremlin: reparar a Área 31 exigirá investimento e priorização, algo difícil quando todos os recursos estão absorvidos na linha de frente. A questão, tanto dentro, como fora da Rússia, é se o governo está preparado para gastar o necessário para manter sua posição na ISS ou se prefere deixar a infraestrutura se deteriorar enquanto sua narrativa garante que "haverá peças de reposição" e que "tudo está sob controle".

Área 31 Área 31

Dependência Invertida

A ironia histórica é evidente. Em 2011, os Estados Unidos eram completamente dependentes da Soyuz após a aposentadoria do Ônibus Espacial. Hoje, a Rússia está à mercê da SpaceX, a única porta de entrada operacional para a estação. E não se trata apenas de astronautas. As naves de carga Progress são cruciais para manter a órbita do laboratório e para gerenciar o sistema russo de controle de atitude, que dessatura os giroscópios americanos.

Sua possível ausência forçaria manobras improvisadas com espaçonaves acopladas, consumiria mais propelente ou aumentaria a pressão sobre as naves Dragon e Cygnus, em um momento em que a Boeing Starliner ainda não está pronta. A perda temporária do centro de lançamento russo torna a SpaceX a única fornecedora de suporte logístico completo para a estação e deixa a Rússia sem as ferramentas mínimas para recuperar um papel equivalente ao que desempenhava anteriormente.

O Risco Estrutural

O golpe em Baikonur revela outra vulnerabilidade: a falta de redundância na arquitetura espacial global. A Rússia já havia fechado o icônico Sítio 1 para convertê-lo em museu, restando a Área 31 como única opção. Agora, esse ponto único está falhando. As alternativas dentro da Rússia não podem ser rapidamente configuradas para lidar com missões tripuladas, e a reconstrução ou adaptação dessa infraestrutura leva anos.

O incidente, longe de ser um caso isolado, demonstra o declínio acelerado do ecossistema espacial russo e coloca em questão sua capacidade de cumprir compromissos internacionais básicos, como manter operacional a única estação espacial habitada. A comunidade espacial terá que observar se Moscou priorizará esse reparo ou se, como alguns analistas temem, a guerra absorverá até mesmo esse último vestígio de cooperação.

Futuro incerto

O acidente na plataforma não apenas danifica um fosso de fogo: ele erode a posição da Rússia na ISS e força a NASA a planejar um cenário em que a Rússia seja parcial ou totalmente excluída de lançamentos tripulados por anos. Isso reforçaria a dependência dos sistemas americanos e prenunciaria um possível desfecho político: a participação russa tornar-se meramente nominal até 2030.

Num momento em que a estação se aproxima dos seus últimos anos, a avaria evidencia um equilíbrio extremamente frágil. Uma única falha mecânica, causada por erro humano, poderia acelerar a divergência das trajetórias espaciais de Washington e Moscou e marcar o início do fim do último empreendimento científico que ainda une as duas potências.

Imagem | NASA TV

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