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Cientistas encontram tesouro maia datado de 1.700 anos; o problema é que ele deveria estar a 1 mil km de distância de onde foi achado

A recente escavação de um altar pintado na cidade maia de Tikal revelou um episódio chave da história mesoamericana

Altar pintado na cidade maia de Tikal revela um episódio chave da história mesoamericana / Imagem: T.G. Garrison / H. Hurst
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Em julho de 2024, um grupo de arqueólogos do Instituto Nacional de Antropologia (INAH), no México, anunciou uma daquelas descobertas que mudam os livros de história. Com a ajuda do LiDAR, encontraram um tesouro incrível. Todo mundo conhece Teotihuacán, mas descobriu-se que em outra área inóspita do México havia pirâmides ocultas. Agora, numa reviravolta inesperada, encontraram outra relíquia de Teotihuacán… a 1.000 quilômetros de onde deveria estar.

Um altar pintado que muda tudo

Um altar de calcário encontrado no centro de uma antiga residência maia em Tikal (Guatemala) revelou uma presença inesperada na história mesoamericana: influências diretas da cidade de Teotihuacán, localizada a mais de 1.000 quilômetros de distância. Datado do final do século IV d.C., o altar apresenta murais em vermelho, amarelo e preto que representam uma figura associada ao “Deus da Tempestade”, uma divindade característica da arte teotihuacana.

Sua localização, estilo e função (um altar doméstico dedicado a divindades, em vez de governantes, como era costume maia) indicam que foi obra de um artista formado na tradição de Teotihuacán, e não de um local. A descoberta foi feita no Grupo 6D-XV, uma área residencial que, segundo os arqueólogos, foi habitada por indivíduos provenientes de Teotihuacán ou estreitamente ligados a essa cultura, que levaram consigo não só suas práticas arquitetônicas e funerárias, mas também a liberdade de expressar sua identidade cultural em território maia.

Tikal, fundada em 850 a.C., transformou-se em uma grande dinastia por volta do ano 100 d.C. e estabeleceu vínculos com outras cidades mesoamericanas, entre elas Teotihuacán, que já era, em 100 d.C., uma das maiores cidades do planeta. As relações entre essas duas cidades provavelmente começaram como intercâmbios comerciais, mas, segundo os pesquisadores, com o tempo, se tornaram mais complexas e, possivelmente, conflituosas.

Suposições

O altar encontrado faz parte de uma sequência arquitetônica que inclui uma primeira fase construída entre os anos 300 e 400 d.C., seguida por uma expansão do santuário entre 400 e 450 d.C., refletindo uma presença prolongada e organizada. As figuras antropomorfas encontradas na residência, adornadas com borlas avermelhadas, reforçam a influência cultural mexicana nessa parte da cidade.

Não restam dúvidas de que a descoberta permite supor que líderes teotihuacanos ricos e poderosos tenham residido em Tikal em algum momento, impondo suas próprias estruturas rituais, talvez como parte de uma estratégia de controle ou influência direta sobre o poder local.

Tesouro

Tensões culturais e memória enterrada

Embora Tikal fosse uma cidade construída sob uma lógica de renovação constante — enterrando estruturas e edificando por cima —, o que ocorreu nesse complexo foi diferente. Em algum momento posterior ao ano 450 d.C., o altar e seus edifícios foram cobertos deliberadamente com terra e escombros, sem reutilizar o espaço.

Os arqueólogos interpretam isso como um gesto simbólico: um rejeitamento ou distanciamento do que ali aconteceu, provavelmente ligado ao declínio do poder teotihuacano e aos sentimentos ambivalentes dos maias em relação a essa etapa de domínio estrangeiro. Longe de se tratar de uma simples ocupação militar, a presença de Teotihuacán em Tikal parece ter sido profunda, estruturada e, ao final, objeto de esquecimento ritual.

O altar O altar

Como explicam os pesquisadores da Brown University que lideraram o estudo, o local foi tratado quase como uma “zona radioativa”, um lugar que deveria ser completamente fechado, talvez para exorcizar uma influência que fora dominante, mas que, com o tempo, tornou-se incômoda e politicamente tóxica para a identidade maia.

Poder estrangeiro

Segundo inscrições encontradas décadas atrás, no ano 378 d.C., uma intervenção militar estrangeira em Tikal conhecida como a Entrada deslocou o monarca local e o substituiu por um governante vinculado a Teotihuacán. A partir desse momento, os vestígios materiais da presença mexicana se multiplicaram: desde enterramentos reais e cerâmicas até conjuntos arquitetônicos híbridos.

O altar descoberto recentemente foi instalado pouco depois desse golpe, e o espaço que o abrigou funcionava como um pátio ritual familiar, semelhante aos encontrados em Teotihuacán. Ali foram realizados enterramentos, como o de um adulto em uma tumba estucada e o de uma criança sentada, uma prática mais comum no centro do México do que na área maia.

A construção do altar veio acompanhada de uma série de rituais mortuários extremamente simbólicos: três bebês foram enterrados sob os cantos do altar, com oferendas no lugar do quarto corpo, um padrão idêntico ao documentado em complexos residenciais de Teotihuacán.

Além disso, o altar não tinha apenas uma função devocional, mas também política: era a expressão material do poder teotihuacano instalado na cidade conquistada. Sua proximidade com uma réplica local do Templo da Serpente Emplumada (um dos ícones arquitetônicos do México clássico) reforça a ideia de que Tikal abrigou um bairro inteiro dedicado a replicar as estruturas cerimoniais do império estrangeiro.

Imagem | T.G. Garrison / H. Hurst

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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