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Castelo Animado da vida real? Para resistir a despejo, homem chinês começou a improvisar novos andares na sua casa e não parou mais

Em uma China em constante modernização forçada, a torre de Chen é mais que um obstáculo: é toda uma declaração de intenções

São onze andares de quartos de madeira encaixados uns sobre os outros / Imagens: Azylber, YouTube
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin

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Victor Bianchin é jornalista.

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De uns tempos para cá, a região de Guizhou, no centro da China, tornou-se cenário de arquiteturas impossíveis. Não é só a cadeia montanhosa imponente, mas também a recém-construída ponte, que é tão alta que cabem duas Torres Eiffel embaixo dela. Não muito longe dali, uma única pessoa está erguendo outra obra titânica: uma espécie de castelo improvisado.

Um desafio à demolição

Foi o que contou no fim de semana o New York Times. Em uma planície de capim alto na província chinesa de Guizhou, ergue-se uma estrutura que desafia as leis da física, do urbanismo e da própria burocracia. Composta por onze andares de quartos de madeira avermelhada encaixados uns sobre os outros, sustentada por roldanas, baldes d’água e colunas recicladas, a casa de Chen Tianming parece saída de um romance ilustrado do Dr. Seuss ou do mundo encantado de O Castelo Animado, do Ghibli.

À primeira vista, pode parecer uma extravagância frágil e improvisada, mas, para seu criador e morador, de 43 anos, representa uma afirmação tenaz de liberdade, identidade e resistência diante do poder estatal. Do nono andar, ao qual chega sem esforço por escadas caseiras sem qualquer corrimão, Chen observa os prédios de apartamentos uniformes onde seus antigos vizinhos foram realocados. Ele escolheu outro caminho: um caminho vertical, pessoal e desafiador.

Arquitetura diante do despejo

Tudo começou em 2018, quando o governo de Xingyi anunciou a demolição do vilarejo natal de Chen para construir um resort. A oferta de indenização foi considerada irrisória por sua família, que se recusou a sair. Quando as escavadeiras começaram a destruir, Chen abandonou seu trabalho de entregador em Hangzhou e voltou para defender a casa dos pais.

Inicialmente motivado por uma lógica econômica (a indenização dependia da área construída), ele começou a adicionar andares junto com seu irmão usando materiais reciclados. Mas o que começou como uma medida pragmática se transformou em uma obsessão pessoal. Andar após andar, sua casa crescia com ele, como uma extensão física de sua determinação de ficar, resistir e transformar uma moradia rural em uma obra de arte habitada.

Enquanto os funcionários insistiam em declarar a estrutura ilegal e enviavam notificações de despejo, Chen respondia com pregos, cordas e livros. Ele havia estudado matemática antes de abandonar a universidade, trabalhou como vendedor de caligrafia, corretor de seguros e entregador, mas encontrou na construção uma forma de expressão que transcendia a utilidade.

Cada andar tinha uma função ou um símbolo: um cantinho de leitura no quinto, uma casa de chá ao ar livre no sexto, plantas pendentes e objetos suspensos no oitavo, um quarto sempre mais alto. Suas ferramentas: escadas, roldanas, madeiras velhas e seu próprio corpo. A casa tornou-se diário, refúgio e trincheira. Chen, que afirma se sentir “guardião da aldeia”, dedicava suas manhãs a inspecionar cada canto e a reparar danos com soluções tão engenhosas quanto baldes de água estratégicos e colunas erguidas pelas janelas.

Uma história familiar. Apesar do ceticismo dos vizinhos, que os acusam de egoísmo ou insensatez, a família Chen se uniu em torno dessa estrutura improvável. Seus pais, acostumados a receber visitantes curiosos nos fins de semana, aceitam com paciência estoica a decisão do filho. Até seu irmão sugeriu enfeitar a casa com lanternas à noite.

Juntos, escolheram o isolamento diante do desprezo dos antigos vizinhos que se mudaram. Enquanto isso, a ameaça de demolição parece ter perdido força: o projeto do resort foi congelado por falta de recursos — em uma província já marcada por empreendimentos faraônicos inconclusos. Chen, no entanto, continua construindo, não por necessidade nem ambição, mas porque diz que cada novo andar é um desafio pessoal, uma conquista íntima contra o tempo e a entropia.

Legado incerto

Obviamente, a casa de Chen Tianming não foi feita para durar, e ele sabe disso. Reconhece que, sem sua manutenção constante, ela desabaria em poucos anos. Mas também afirma que, enquanto ele estiver de pé, sua casa estará. O homem investiu pouco mais de 20 mil dólares (R$ 111 mil) em materiais e cerca de 4 mil (R$ 22 mil) em advogados. Seus gastos, sem dúvida, não são os de um construtor profissional, mas sim os de um artista extremamente teimoso.

Embora o governo tenha colocado uma placa alertando sobre riscos estruturais, muitos vizinhos expressam admiração diante da originalidade e da força de vontade impressas na estrutura. Pode ser que sua construção viole todos os códigos urbanísticos conhecidos, mas encarna uma forma de resistência que muitos sentem como própria. “Se a derrubassem, seria uma pena”, disseram alguns ao Times.

Em uma China em constante modernização forçada, a torre de Chen é mais que um obstáculo: é toda uma declaração de intenções.

Imagem | Azylber, YouTube

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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