O litoral sul da Inglaterra vive um fenômeno insólito: a chegada maciça de polvos mediterrâneos, uma espécie pouco comum nessas águas e que, de repente, se tornou protagonista nos portos e mercados pesqueiros. Em Brixham, principal porto do sudoeste, pescadores como Arthur Dewhirst viram suas redes transbordarem de cefalópodes em vez dos peixes habituais, transformando as jornadas em inesperadas bonanças econômicas que chegam a render até 10.000 libras extras (R$ 71,8 mil) por semana.
Entre janeiro e agosto, foram leiloadas mais de 12.000 toneladas, com picos diários de 48 toneladas, o que transformou a localidade na “capital do polvo” do Reino Unido. Restaurantes e comércios aderiram ao furor, incorporando o animal a cardápios e fachadas e convertendo-o em emblema local de um ano excepcional.
A mudança climática
Os cientistas apontam o aquecimento do mar como principal explicação do fenômeno. O professor Steve Simpson, da Universidade de Bristol, destacou no New York Times que as águas britânicas se encontram no limite setentrional da faixa habitual do polvo mediterrâneo, mas o aumento das temperaturas fez com que o ambiente se tornasse mais favorável para seu estabelecimento.
O que parecia impossível há algumas décadas se materializou agora: um reflexo direto da mudança climática visível na abundância de uma espécie que antes mal chegava a essas latitudes.
Embora, para muitos arrastões, o auge tenha representado um inesperado alívio econômico, o cenário é mais sombrio para os mariscadores de caranguejo e lagosta. Os polvos, predadores vorazes e inteligentes, colonizaram as armadilhas usadas para capturar crustáceos, devorando-os por completo e deixando apenas carapaças vazias.
Em localidades como Salcombe, pescadores veteranos como Jon Dornom relataram a surpresa inicial (“centenas de alienígenas” em suas armadilhas), que logo se transformou em angústia ao constatar o colapso das populações de marisco. De uma viagem bem-sucedida com quase três toneladas capturadas, passou-se a armadilhas cheias de restos, ameaçando a sustentabilidade de seus negócios a médio prazo.
Fenômeno incerto

Até onde se sabe, a última grande invasão de polvos em águas inglesas remonta à década de 1950, quando apareceram em massa e desapareceram em apenas um ou dois anos. Essa memória histórica lembra o quão imprevisível é o fenômeno: ninguém pode garantir se a onda se repetirá ou se foi um episódio isolado.
Para os pescadores, essa incerteza é crucial, pois seu futuro econômico depende tanto da continuidade do boom quanto dos estragos que possa ter causado nas populações de crustáceos.
A chegada dos polvos não se manifestou apenas em termos econômicos. Em Brixham, o animal se tornou um símbolo de identidade local: murais em cafeterias, letreiros de néon em prédios do porto, vídeos virais de chefs mostrando como prepará-lo e pratos inovadores que foram bem recebidos por moradores e turistas.
De fato, a criatura passou de raridade exótica a produto de consumo em massa em um ambiente pouco acostumado a ela. O entusiasmo popular contrasta com o temor de quem vê em risco espécies tradicionais da pesca inglesa, fundamentais para a dieta e o comércio da região.
Entre a bonança e o medo
Assim, a invasão de polvos na costa sul da Inglaterra reflete a complexa interação entre a mudança climática, a economia pesqueira e a ecologia marinha. Enquanto alguns celebram, outros temem uma catástrofe que altere permanentemente os equilíbrios de seus pesqueiros.
Além disso, a experiência dos anos cinquenta lembra que o polvo pode desaparecer tão abruptamente quanto chegou, mas o aquecimento global sugere que fenômenos desse tipo devem se tornar cada vez mais frequentes. Para os pescadores, a lição parece clara: o destino de suas jornadas de pesca já não depende apenas do mar, mas das oscilações climáticas e do comportamento imprevisível de um cefalópode que passou a ser tanto salvação quanto ameaça.
Imagem | Pexels, Martijn Klijnstra
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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