Desde o advento das inteligências artificiais generativas, muito se fala sobre o uso delas como ferramentas para aumentar produtividade. Sob um discurso de que com as IAs assumindo tarefas triviais, funcionários de verdade teriam menos trabalho, é vendida essa ideia que até pode ser verdadeira em alguns casos, mas definitivamente não é a regra, podendo até, na verdade, aumentar a carga de trabalho.
Demissões em massa alegando substituições por IAs não são poucas, em especial no setor da tecnologia, ainda que o tiro possa sair pela culatra. Independentemente disso, se você usa inteligências artificiais para ajudar em tarefas no trabalho, corre o risco de ter sua reputação manchada — é o que diz um estudo da Duke University, na Califórnia, EUA.
O artigo publicado por pesquisadores da instituição na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) analisa as dinâmicas sociais envolvendo a adoção de inteligências artificiais como ferramentas no mercado de trabalho. Não importa qual seja: ChatGPT, Gemini, DeepSeek etc.
Com experimentos conduzidos com mais de 4,4 mil participantes, os pesquisadores "revelam uma penalidade social por uso de IA: indivíduos que usam ferramentas de inteligência artificial se deparam com julgamentos negativos sobre suas competências e motivação", se lê no início do estudo dos pesquisadores Jessica A. Reif, Richard P. Larrick e Jack B. Soll.
"Esses julgamentos se manifestam em penalidades sociais reais, criando um paradoxo em que ferramentas de melhoria de produtividade com IA podem simultaneamente melhora o desempenho e prejudicar a reputação profissional de um indivíduo."
Em um dos experimentos, foi pedido a 500 participantes que imaginassem ter que usar uma ferramenta de IA ou uma sem IA para tarefas e, depois, foram questionados se ficariam relutantes ao admitir uso de IA para o trabalho e como achavam que seriam julgados pelo fato em quatro parâmetros: preguiça, substituibilidade, competência e diligência. Os participantes que foram colocados no cenário de usar IAs disseram achar que seriam vistos como preguiçosos e substituíveis, além de menos competentes e eficientes.
Em outro experimento, de um total de quatro, foi simulada uma situação de contratação, em que parte dos participantes deveria executar uma simples tarefa, e outra parte agiria como gerentes de RH em um processo seletivo, analisando perfis dos candidatos com base na tarefa anterior, que poderiam ser usuários de IA ou não. Depois, estes "gerentes de RH" também eram questionados se usavam IA ou não.
O resultado foi que gerentes que usam IA estariam mais propensos a contratar funcionários que usam IA, enquanto gerentes que não usam IA automaticamente julgavam candidatos que usam IA como menos capazes e preguiçosos.
"Uma possível explicação para esse achado é que as pessoas que usam IA com frequência estão cientes dos ganhos de produtividade que ela pode proporcionar e, portanto, esperam que os candidatos que usam IA tenham uma vantagem ao concluir a tarefa", explicam os pesquisadores. "Como a descrição da tarefa não indicava explicitamente se a IA poderia ser usada, é possível que os usuários com alto nível de IA tenham inferido que a IA poderia ser usada e que o candidato que usasse IA teria um bom desempenho na tarefa. Uma segunda explicação possível é que as inferências sobre os usuários de IA variam com base no uso da própria IA e, portanto, os não usuários de IA podem estar mais propensos a penalizar os usuários de IA nas decisões de contratação".
Acima de tudo, um achado da pesquisa é intrigante: o estigma social pelo uso de IA não é afetado por qualquer demografia, de acordo com o estudo. Ou seja, fatores como idade, gênero, ocupação e outros indicadores sociais não tiveram impacto na percepção dos participantes da pesquisa. “Descobrimos que nenhum desses atributos demográficos-alvo influencia o efeito de receber ajuda de IA sobre as percepções de preguiça, diligência, competência, independência ou autoconfiança. Isso sugere que a estigmatização social do uso da IA não se limita ao seu uso entre grupos demográficos específicos".
Em outro trecho interessante do estudo, os pesquisadores levantam a questão de que toda nova tecnologia que facilita uma determinada tarefa tem um período de resistência, em que os não adeptos questionam a competência dos adeptos. "Mais recentemente, os educadores questionaram como o uso de ferramentas, como calculadoras, afetaria a capacidade dos alunos de desenvolver habilidades matemáticas, e estudos documentaram a tendência dos pacientes de presumir que os médicos que usam auxílios de diagnóstico são menos capazes. Diferentemente das ferramentas anteriores que simplesmente executavam operações específicas ou faziam previsões, as ferramentas de IA podem ser percebidas como mais agênticas porque podem aprender com a experiência e operar de forma mais autônoma. Essas ferramentas poderosas podem intensificar as dúvidas relacionadas à capacidade e ao esforço de seus operadores".
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