As recentes alterações no Acordo do usuário da conta Nintendo divulgadas na última semana pegaram muitas pessoas de surpresa. A rigidez das novas regras e a possibilidade da Big N inutilizar os aparelhos remotamente caso o usuário fira alguma das cláusulas deixou muitos donos de Switch e futuros donos de Switch 2 assustados. Mas pode se acalmar: conversamos com Giovanna Araújo, advogada de direito do consumidor especializada em Direito Contratual e boa parte das cláusulas são consideradas abusivas e ferem a lei do consumidor brasileira. A seguir apontamos quais cláusulas do Código de Defesa do Consumidor o novo código da Nintendo fere.
A Nintendo não pode inutilizar seu console remotamente
Um dos pontos mais polêmicos do novo acordo é a possibilidade de a empresa inutilizar o seu console remotamente caso você infrinja as regras estipuladas por ela. Essa regra é presumivelmente abusiva de acordo com os artigos 6º - IV (São direitos básicos do consumidor: [...] a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços), e 39º - V (É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas […] exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;), do Código de Defesa do consumidor.
De acordo com dra. Giovanna Araujo, ao comprar o console o usuário se torna proprietário do aparelho e bloqueá-lo e inutilizá-lo remotamente fere o direito à propriedade do bem adquirido (artigo 5º, XXII da Constituição Federal). “Essa é uma medida desproporcional. No caso de descumprimento dos termos e condições pelo usuário, as providências da Nintendo devem se restringir ao contrato de licenciamento firmado com o usuário, adotando práticas como suspensão da conta online, revogação da licença do software ou banimento da conta em jogos ou servidores online, mas jamais a inutilização do hardware”, explicou.
E mesmo o banimento da conta não pode ser feito como é dito no novo acordo. Mais de uma vez, é dito que a Nintendo pode excluir sua conta sem aviso prévio. Dra. Giovanna Araujo avisa que isso vai contra o artigo 6º do CDC. “Qualquer alteração, suspensão ou cancelamento não pode ser tomada unilateralmente e sem aviso prévio do consumidor. Essa medida é classificada como abusiva”, afirma.
A Nintendo não pode te impedir de processá-la no Brasil
No item 16, sobre resolução de conflitos, arbitragem e renúncia a ações coletivas, o acordo é abusivo em diferentes maneiras. Primeiro, a empresa não pode te forçar a abrir mão do direito de processá-la, seja individualmente ou por ação coletiva. “O acesso à justiça é um princípio constitucional (art. 5º, xxxv, da CF), cláusulas contratuais que tentam impedir o consumidor de processar judicialmente uma empresa são inconstitucionais e nulas. O Código de Defesa do Consumidor, determina nos parágrafos I e VII do artigo 51 que são nulas de pleno direito as cláusulas que exoneram o fornecedor de responsabilidade e as que infrinjam ou possibilitem a renúncia a direitos”, aponta dra. Araujo.
Além disso, a escolha obrigatória de um foro fora do país é ilegal. “O Código de Defesa do Consumidor em seu art. 101, I, determina que nas ações judiciais, o consumidor pode propor a ação no foro do seu domicílio, do local do fato ou, ainda, onde ele escolher em juízo, ou seja, o consumidor tem direito de escolher o foro, e não pode ser forçado a litigar fora do Brasil por cláusula contratual de adesão”, afirma dra. Araujo.
A proibição de venda da conta para terceiros é questionável
Esse ponto é um pouco questionável. O contrato pode determinar que a conta de usuário é pessoal e intransferível, impedindo a transmissão de um usuário para outro por que a Nintendo comercializa o direito de uso de serviços usados pela conta. Mas ainda assim, essa possibilidade não é absoluta. Segundo a advogada Giovanna Araujo, “a restrição absoluta e irrestrita pode ser considerada abusiva. Se o usuário adquiriu jogos, créditos ou bens virtuais por meio da conta, ele tem interesse patrimonial legítimo Nesse caso, a proibição absoluta da cessão pode ser questionada jurídicamente”.
A Nintendo não pode se eximir da responsabilidade pela interrupção, definitiva ou temporária, de um serviço
A empresa pode, sim, ser responsabilizada pela interrupção de serviços definitiva ou temporária de serviços licenciados. De acordo com o artigo 14 do CDC responsabiliza o fornecedor por danos causados pela interrupção de serviços contratados. A única exceção é caso o problema seja causado por força maior ou por culpa exclusiva do usuário.
Não há limite de tempo para o usuário se arrepender de concordar com os termos da Nintendo
Caso você tenha aceitado sem ler os termos do Acordo de usuário da Conta da Nintendo, nem tudo está perdido. Por ter sido lançado esse mês, você ainda está dentro do prazo de 30 dias estipulados pela empresa para declarar a sua vontade de não aderir a ele. Mas não é preciso enviar uma carta para a Nintendo of America para isso, ao contrário do que eles afirmam no documento. “Essa cláusula é bastante comum em contratos redigidos sob o direito norte-americano. Entretanto, no Brasil, essa cláusula é vista com restrições legais, pois o envio de carta registrada para os EUA para preservar um direito fundamental (acesso à Justiça) é considerado desproporcional e abusiva, violando o art. 6º, IV, e art. 51 do CDC”, explica a advogada. E mesmo que você aceite os termos, ainda pode contestá-los na justiça caso se arrependa posteriormente.
Procon-SP notifica Nintendo
A Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (Procon-SP) notificou a empresa japonesa sobre o novo acordo do usuário. O órgão recebeu diversas denúncias de consumidores reclamando sobre cláusulas abusivas e a Nintendo tinha até quinta-feira (15/5) para esclarecer o contrato. Os consumidores que se considerarem prejudicados podem procurar o Procon de sua cidade ou estado para fazer o registro de denúncia ou reclamação. No site da Secretaria Nacional do Consumidor, você encontra a lista de órgãos de cada estado.
O que fazer?
Apesar de a Nintendo dar um prazo de 30 dias após o aceite do acordo para se arrepender, não há limite para o usuário voltar atrás. Caso você sofra qualquer sansão por quebra dessas cláusulas, é importante procurar a empresa primeiro para resolver o problema.
"A segunda medida seria enviar uma notificação formal à empresa — uma notificação extrajudicial — solicitando a adequação dos termos e condições da cláusula em questão à legislação brasileira, especialmente ao Código de Defesa do Consumidor. Essa notificação deve fundamentar a ilegalidade da cláusula com base, por exemplo, nos artigos 6º (direitos básicos do consumidor), 39 (práticas abusivas) e 51 (nulidade de cláusulas abusivas)", explica dra. Giovanna Araujo.
Se ainda assim, a Nintendo não desfazer as sanções, você pode procurar a justiça. "A ação pode ser proposta no Juizado Especial Cível: até 20 salários mínimos, não há necessidade de advogado; entre 20 e 40 salários, a representação por advogado é obrigatória. Nessa ação, o consumidor pode pleitear a nulidade da cláusula abusiva, indenização por danos materiais e/ou morais, restituição de valores pagos ou o restabelecimento do acesso, conforme o caso."
Nós entramos em contato com a Nintendo para saber o posicionamento da empresa, mas não recebemos até a publicação da matéria.
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