Fujian é oficialmente a maior catapulta de poder da China: Pequim já tem um botão para desafiar a Marinha dos EUA

Aeronave simboliza ponto de encontro entre tradição e modernidade: um gigante nascido para mostrar que a China joga no mesmo nível que os EUA

Imagem | Ministério da Defesa Nacional da China
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
pedro-mota

PH Mota

Redator
pedro-mota

PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

1028 publicaciones de PH Mota

Já se passaram quase dois anos desde que a China concluiu a construção do seu tão aguardado porta-aviões Fujian, o seu maior navio de guerra, equipado com tecnologia de ponta. Desde então, ele tem passado por diversos testes e ensaios que confirmarão a confiabilidade daquela que deverá ser a ponta de lança de Pequim para competir em pé de igualdade com os Estados Unidos.

A China oficializou a entrada em serviço do Fujian, seu primeiro porta-aviões com catapultas eletromagnéticas, marco que representa um salto qualitativo na ambição naval do país e em sua rivalidade direta com os Estados Unidos.

Em cerimônia realizada no porto de Sanya, na ilha de Hainan, o presidente Xi Jinping realizou o gesto simbólico de pressionar o botão de lançamento da cabine de comando do navio, ato que a propaganda estatal apresentou como o início de uma nova era para a Marinha do Exército de Libertação Popular.

Projeção e vulnerabilidade

Com 80 mil toneladas de deslocamento, 300 metros de comprimento e capacidade para operar quase 60 aeronaves, o Fujian se torna a joia da frota chinesa, o terceiro em serviço desde o Liaoning e o Shandong. Sua característica distintiva são as catapultas eletromagnéticas, um sistema de lançamento de aeronaves similar ao EMALS americano, que equipa apenas um outro navio no mundo: o USS Gerald R. Ford.

A China, portanto, saltou diretamente de porta-aviões com rampas de lançamento para uma geração de propulsão eletromagnética, dirigida pessoalmente, segundo Pequim, por Xi Jinping. Esse avanço técnico tem claras implicações estratégicas: melhora a cadência de decolagens, reduz o desgaste das aeronaves e permite a operação de drones ou dispositivos mais leves, abrindo caminho para uma aviação embarcada mais flexível e moderna.

Fujian

O Fujian representa mais do que apenas um aprimoramento técnico: é o primeiro porta-aviões totalmente projetado e construído na China, livre da herança soviética que condicionou os anteriores. O Liaoning era originalmente um porta-aviões ucraniano inacabado da década de 1980 e o Shandong, um derivado nacional, ambos com sistemas STOBAR de decolagem curta. Com o Fujian, a China abandona esse passado e demonstra maturidade tecnológica, especialmente num contexto de rivalidade industrial com os Estados Unidos, cujo programa de navios mercantes enfrentou anos de fracassos e estouros de orçamento.

Em contraste com os "Problemas de Gerald R. Ford", o discurso de Xi e a encenação da cerimônia transmitem uma mensagem de eficiência e orgulho nacional: a de uma potência capaz de fabricar seus próprios navios de ponta enquanto o adversário hesita. A escolha do porto de Hainan também não foi coincidência. De lá, a China controla o acesso ao Mar do Sul da China e projeta sua influência em direção ao Pacífico Ocidental e ao Estreito de Taiwan. Nesse contexto, o Fujian não é apenas um navio, mas uma declaração política sobre a capacidade de Pequim de contestar a hegemonia marítima global.

Fujian

Alvo do futuro

No entanto, a relevância desses colossos de aço coexiste com um paradoxo. Enquanto as grandes potências continuam a investir bilhões na construção de porta-aviões, o conflito na Ucrânia demonstrou que o tamanho já não garante invulnerabilidade. Com drones navais de baixo custo, a Ucrânia conseguiu inutilizar grande parte da frota russa do Mar Negro, infligindo uma “derrota funcional” sem possuir um único porta-aviões.

O contraste é eloquente: a guerra assimétrica reduz a eficácia das armas convencionais mais caras, mas não o seu valor estratégico. No caso da China e dos Estados Unidos, os porta-aviões mantêm o seu papel como instrumentos de projeção e dissuasão, úteis tanto para operações de combate como para a diplomacia coerciva.

Washington continua a usá-los como instrumento de pressão na geopolítica: o próprio Donald Trump chegou a ordenar o envio de Gerald R. Ford contra a Venezuela como um aviso simbólico ao regime de Nicolás Maduro.

A cena, com um porta-aviões escoltado por quatro destróieres e armado com 70 aeronaves, ilustra até que ponto esses navios continuam sendo embaixadores armados das superpotências, além de sua questionável rentabilidade militar.

Dissuasão global

As marinhas modernas sabem que os porta-aviões são um símbolo de poder. Durante a Guerra Fria, acreditava-se que seriam necessários doze mísseis convencionais para afundar um superporta-aviões. Em 2005, o afundamento experimental do USS America exigiu quatro semanas de ataques contínuos, confirmando sua resiliência estrutural, mas também sua vulnerabilidade.

Em um cenário saturado de mísseis hipersônicos, enxames de drones e sistemas antinavio de longo alcance, sua sobrevivência em combate real é cada vez mais incerta. No entanto, nenhuma outra plataforma oferece a combinação de mobilidade, capacidade aérea e autonomia logística que um porta-aviões proporciona. É por isso que a China, apesar de investir em mísseis para repelir uma frota americana em sua costa, considera esses navios essenciais para suas próprias ambições globais. Como aponta o analista Nick Childs, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, Pequim os entende como uma ferramenta indispensável para projetar influência e apoiar uma eventual operação em Taiwan.

Geopolítica do aço

A ascensão do Fujian faz parte de uma estratégia mais ampla de expansão naval que transformou os estaleiros chineses nos mais produtivos do planeta. A frota de superfície e submarina do país está crescendo a um ritmo que os Estados Unidos já não conseguem acompanhar, e cada nova embarcação reforça a narrativa de autossuficiência industrial que Xi Jinping apresenta como seu emblema do “renascimento nacional”.

Em comparação com os onze porta-aviões americanos (dez nucleares e um de propulsão convencional), a China possui três, mas com planos para construir pelo menos um nuclear, o futuro Tipo 004, que poderá rivalizar diretamente com os porta-aviões da classe Ford da Marinha dos EUA. Ao contrário da Rússia, cujo único porta-aviões, o já antigo Almirante Kuznetsov, está fora de serviço há anos e caminha para o desmantelamento, a China e os Estados Unidos são hoje as únicas potências capazes de manter frotas com grande projeção oceânica. A Europa, por sua vez, mantém uma presença simbólica: o Reino Unido utiliza seus porta-aviões Queen Elizabeth e Prince of Wales em missões diplomáticas ou de treinamento, enquanto a França prepara seu novo porta-aviões nuclear de futura geração.

Século dos mares e da fragilidade

O Fujian simboliza o ponto de encontro entre tradição e modernidade: um gigante nascido para provar que a China pode competir em pé de igualdade com os Estados Unidos, mas também representa a contradição de uma época em que a tecnologia avança mais rápido do que a doutrina militar. Drones, armas hipersônicas e guerra eletrônica redefiniram o controle marítimo, e cada porta-aviões é agora um emblema tão poderoso quanto vulnerável.

Mesmo assim, a lógica política prevalece sobre a tática: os Estados continuam precisando desses navios para exibir suas bandeiras, intimidar adversários e reafirmar seu status global. Em outras palavras: a era dos porta-aviões não acabou, mas entrou em uma fase incerta, na qual a supremacia naval é medida tanto pela capacidade de construir gigantes quanto pela capacidade de protegê-los em um oceano repleto de olhos e mísseis.

Nesse tabuleiro, o Fujian é a mais recente peça do xadrez geopolítico que a China e os Estados Unidos enfrentam, um símbolo flutuante de que a próxima grande rivalidade do século XXI não será decidida apenas em terra firme, mas também nas águas do Pacífico.

Imagem | Ministério da Defesa Nacional da China

Inicio