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Japoneses colonizaram a Amazônia e os efeitos já são sentidos na floresta

Região de Tomé-Açú, no Pará, se tornou referência mundial na agricultura graças às práticas agrícolas ancestrais da comunidade japonesa

Amazonia. Créditos: banco de imagens
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Laura Vieira

Redatora
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Laura Vieira

Redatora

Jornalista recém-formada, com experiência no Tribunal de Justiça, Alerj, jornal O Dia e como redatora em sites sobre pets e gastronomia. Gosta de ler, assistir filmes e séries e já passou boas horas construindo casas no The Sims.

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A Amazônia é considerada uma das maiores florestas do mundo, com uma área de aproximadamente 7 milhões de quilômetros quadrados que envolve 9 países, sendo o Brasil o que abriga a maior parte dessa área. Com um território tão gigantesco, também não faltam povos e culturas diferentes vivendo ali. No interior do Pará, em Tomé-Açu, existe uma comunidade formada por imigrantes japoneses e seus descendentes que ajudaram a transformar a região em referência mundial na agricultura. O que começou como um projeto de imigração nos anos 1920 enfrentou crises e até fome, mas acabou se reinventando com base no aprendizado da floresta e dos ribeirinhos. Hoje, Tomé-Açu guarda tradições nipônicas e também é reconhecida por práticas agrícolas sustentáveis.

A chegada dos japoneses no Brasil e na Amazônia 

Brasil e Japão são países completamente diferentes entre si.  Separados por mais de 18 mil quilômetros,os dois países apresentam uma cultura completamente diferente uma da outra. Ainda assim, após a abolição da escravatura em 1888, os dois governos firmaram um acordo para incentivar a imigração japonesa: o Brasil precisava de mão de obra agrícola, enquanto o Japão enfrentava pobreza no campo.

A primeira leva chegou no Brasil em 1908, concentrando-se principalmente em São Paulo. Mas, em 1929, o governador do Pará, Dionísio Bentes, decidiu atrair parte desse fluxo para a Amazônia, oferecendo 600 mil hectares de floresta em Tomé-Açu e outros lotes menores em municípios vizinhos, como Monte Alegre e Marabá.

As primeiras famílias desembarcaram naquele ano e receberam lotes de 25 hectares cada. A adaptação, no entanto, foi difícil: as casas eram simples, os alimentos diferentes e a convivência com a floresta causava medo. Mesmo assim, a comunidade cresceu e se consolidou, chegando a ser considerada uma das maiores colônias japonesas do país.

Região de Tomé-Açú viveu uma crise e se desenvolveu com novo modelo de produção 

Casa em Tomé-Açu. Créditos: Felix Lima/BBC Casarão de comunidade japonesa em Tomé-Açu, construída no auge da plantação de pimenta-do-reino. Créditos: Felix Lima/BBC

Quando os japoneses chegaram nas terras destinadas a eles em Tomé-Açú, eles cultivavam especialmente verduras, um alimento que não era tão consumido pelos povos locais da região. Contudo, anos depois, a comunidade passou a desenvolver um sistema de monocultura de lavouras de pimenta-do-reino, que se expandiram significativamente, gerando riqueza. Isso permitiu a construção de casas maiores, a compra de caminhões para o transporte do produto e a abertura de comércios. 

O auge, porém, foi interrompido nos anos 1970, quando uma praga devastou as plantações de pimenta, única fonte de renda da colônia. Para sobreviver, os agricultores decidiram mudar o sistema de produção baseado na monocultura. Inspirados pela diversidade da floresta e pelas práticas agrícolas dos ribeirinhos, os japoneses começaram a plantar diferentes espécies no mesmo terreno.

Esse modelo recebeu o nome de Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu (SAFTA) e transformou áreas degradadas em uma espécie de “florestas de comida”. Além de garantir renda durante todo o ano, o método ajudou a recuperar o solo e trouxe de volta animais silvestres que tinham desaparecido.

O valor cultural e o espírito do “mottainai”

Além do impacto econômico, a colônia japonesa manteve viva as tradições culturais e técnicas agrícolas ancestrais que dialogam com a sustentabilidade. Um exemplo é o conceito de mottainai, que valoriza o aproveitamento total dos recursos, evitando assim o desperdício. Na prática, isso significa aproveitar ao máximo tudo o que a terra oferece: cascas de cacau, folhas e galhos viram adubo natural; restos de frutas são usados para fertilizar o solo; e muitos evitam agrotóxicos, o que torna parte da produção orgânica. Essa mentalidade, que une ensinamentos ancestrais japoneses com práticas amazônicas, criou um modelo de produção agrícola (SAFTA) que virou modelo para pesquisadores e agricultores do Brasil e do mundo. 

Apesar dos desafios, Tomé-Açú se desenvolveu e se expandiu, atraindo milhares de habitantes

Hoje, após tantos desafios enfrentados durante os anos, Tomé-Açu tem cerca de 67 mil habitantes, mas japoneses e seus descendentes são uma pequena parcela desse número. Mesmo assim, a presença japonesa continua viva no local, em restaurantes, templos budistas e até nas conversas do dia a dia, onde ainda se escutam palavras em japonês. 

O futuro, no entanto, traz incertezas e desafios. Muitos jovens buscam estudar em Belém, seguir carreiras em outras áreas ou até migrar para o Japão. Isso faz com que algumas famílias tenham dificuldade em manter as fazendas. Para evitar que o conhecimento se perca, agricultores da região defendem que o sistema agroflorestal seja compartilhado com qualquer pessoa interessada, independentemente de ser descendente japonês ou não. Assim, o legado de Tomé-Açu pode se transformar em uma lição universal, baseada na produção sem destruição. 


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