Como na pré-história: mulher e filhas viviam isoladas em caverna na Índia até serem descobertas e enviadas de volta para a Rússia

A história de Nina Kutina, que passou meses em uma caverna na Índia com as filhas pequenas, mistura luto, nomadismo, conflitos legais e uma vida inteira dedicada à natureza

Créditos de imagem: Nina Kutina
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João Paes

Redator
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João Paes

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Escreve sobre tecnologia, games e cultura pop há mais de 10 anos, tendo se interessado por tudo isso desde que abriu o primeiro computador (há muito mais de 10 anos). 

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Uma criança loira, descalça, caminhando sozinha pela floresta de Gokarna, na Índia, parecia apenas uma cena curiosa de um destino procurado por turistas e peregrinos. Mas quando a polícia local decidiu investigar, encontrou algo digno de roteiro: uma mulher russa vivendo com suas duas filhas pequenas dentro de uma caverna, cercadas por artesanato, tapetes e camas improvisadas com tábuas. Era Nina Kutina, 40 anos, que havia transformado a mata em refúgio e, por nove meses, em lar.

Kutina contou à BBC que nunca havia morado em uma caverna antes, mas que buscava ali uma forma de lidar com a morte de seu filho mais velho, Dmitry, vítima de um acidente de carro em Goa, em 2024. Entre raízes, pedras e o som da floresta, ela tentou reconstruir os dias com Ama e Prema, de cinco e seis anos, enquanto o terceiro filho, Luchezar, estudava em outra cidade. A família sobrevivia comprando frutas na região e vivia um estilo naturalista extremo: vegetarianas desde o nascimento, as meninas, segundo a mãe, “nunca ficaram doentes”.

Crédito de imagem: Nina Kutina Nina e uma de suas filhas na floresta próxima da caverna onde moravam.

Nina transformou a caverna em casa: tapetes no chão, artesanato nas paredes e camas de madeira improvisadas. A polícia que as encontrou disse que pareciam confortáveis, mas alertou que a floresta pode esconder perigos reais — como cobras, deslizamentos, animais selvagens e essas coisas. Nina discordava: “Nenhuma cobra jamais nos machucou. Por muitos anos, só temíamos os humanos”, escreveu em seu canal no Telegram (sim, ela tem um canal no aplicativo russo), onde relatava a rotina e anunciava até aulas de tricô.

O problema é que seus documentos haviam expirado. Sem forças para lidar com burocracias depois da morte do filho, ela acabou sendo levada para um centro de migração. Ali, segundo Nina, a experiência foi tudo menos segura: baratas gigantes, fome, objetos roubados e a perda das cinzas de Dmitry, confiscadas e nunca devolvidas. “Eles acham que nos salvaram do frio. Mas no centro sofremos muito mais”, contou.

A trajetória nômade de Nina não começou na Índia. Nascida em Leningrado, ela estudou na Sibéria, viveu em diversos países — Ucrânia, Tailândia, Indonésia, Costa Rica, Nepal — e deu à luz seus filhos sempre em casa. Formada em educação, trabalhou como designer de interiores antes de abandonar Moscou em busca do que ela descreve como “uma vida mais interessante e saudável”. Ela criou os filhos em praias, florestas e selvas, muitas vezes ao ar livre, improvisando casas em raízes de árvores tropicais e convivendo com cobras como vizinhas habituais.

Crédito de imagem: Nina Kutina Nina dentro da caverna.

Mas a vida que ela chamava de livre acabou entrando em choque com as leis indianas. Após denúncias e investigação, Nina e as filhas foram deportadas para a Rússia em setembro. O processo se complicou ainda mais quando o empresário israelense Dror Shlomo Goldstein entrou com ação judicial alegando ser pai das meninas e tentando impedir que deixassem o país. Ele queria guarda compartilhada, mas o exame de DNA exigido pela Justiça não foi realizado a tempo.

De volta a Moscou, Nina tenta reorganizar a vida com parentes e afirma que não pretende matricular as filhas em uma escola tradicional — vai continuar com o ensino domiciliar. Hoje, longe das cavernas, ela ainda passeia pelas florestas da região, mas espera recuperar documentos para voltar a viajar com as crianças e, como diz, “viver novas aventuras”.


Créditos de imagens: Nina Kutina.

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