A água é uma das bases da sociedade, garantida por lei para todos do mundo inteiro segundo a Declaração dos Direitos Humanos, mas mais do que isso, água também é uma questão política e de gênero.
Durante a COP30, que acontece de 10 a 21 de novembro em Belém, no Brasil, uma das questões abordadas será como levar água e saneamento básico para todos os habitantes de países ricos e “pobres”, mas mais do que isso, também levar urgentemente um direito humano para as pessoas que mais precisam: mulheres e crianças.
Conversamos com Anjani Kapoor, Chefe de Política, Responsabilidade e Resultados da Sanitation and Water for All, sediada pela UNICEF, que desde 2010 trabalha com governos para tentar garantir este direito básico para todos, incluindo pessoas fora de centros urbanos. Na COP30, Kapoor falará sobre a necessidade de garantir os direitos básicos para mulheres e crianças, muitas vezes deixadas às margens da sociedade, que podem sofrer pela falta de água, muito disso devido a conflitos, aquecimento global e uma sociedade patriarcal.
Nascida e criada na Índia, Kapoor disse em entrevista ao Xataka Brasil que sabe de uma realidade que muitos não conhecem, especialmente vivida por mulheres que têm acesso dificultado, ou sequer têm acesso à água.
“As mudanças climáticas agravam as secas e esgotam os recursos hídricos, forçando mulheres e meninas a percorrer distâncias maiores para buscar água. E eu vi as cenas de mulheres carregando esses cântaros de água na cabeça. Essa distância que elas percorrem vai aumentar ainda mais. Segundo as pesquisas mais recentes, até 2050, essa tarefa diária de buscar água poderá levar até 30% mais tempo globalmente.”
Kapoor explica que como mulheres e meninas ainda são, por vezes, responsabilizadas por cuidar da casa e de tarefas domésticas, elas muitas vezes abandonam escolas ou seus trabalhos para sustentar o lar.
“Esse fardo pesado de carregar água reduz as oportunidades das mulheres para educação, trabalho, descanso, vida social, e aprofunda o que chamamos de pobreza de tempo das mulheres. Além disso, o esforço físico e mental causados por essa responsabilidade desproporcional afeta significativamente o bem-estar das mulheres,” disse.
Mulheres e crianças coletam água potável de caminhões-pipa em Deir al-Balah, na região central da Faixa de Gaza, onde a destruição da infraestrutura após dois anos de ataques israelenses deixou os moradores enfrentando uma grave escassez de água potável.
(Hassan Jedi/Anadolu/Getty Images)
Entre outras questões, há ainda a saúde e segurança das mulheres. Kapoor explica que já viu casos de mulheres trocarem relações sexuais para garantir o básico (comida e água) e o risco que viver em áreas longe de fonte de água ou uma água limpa, pode dar a mulheres em questão de higiene.
“Inundações e banheiros danificados aumentam o risco de violência contra as mulheres, incluindo assédio e agressão sexual, especialmente quando as instalações sanitárias são inseguras ou estão longe de suas casas, especialmente à noite. A falta de água também dificulta a manutenção da higiene menstrual e impacta a saúde de mulheres grávidas. Em alguns lugares, vimos, especialmente na África Oriental, mulheres enfrentando coerção para trocar favores sexuais por acesso à água ou suprimentos menstruais, como absorventes internos, produtos de higiene íntima, o que é uma grave violação dos direitos humanos,” complementa.
Kapoor explica que esse desbalanceamento e a falta de água e saneamento básico para mulheres vem muito de uma questão política e de representatividade nas áreas governamentais. Como parte da SWA, ela diz que um dos focos da organização é levar mulheres para essas esferas, já que só mulheres entendem e sabem o que outras estão passando.
“As mulheres carecem frequentemente de representação nas decisões de gestão da água e têm acesso limitado à terra, crédito e fundos climáticos necessários para investir em soluções resilientes de água e saneamento. Essa exclusão resulta em políticas e infraestrutura que não atendem às necessidades específicas das mulheres. Apoiar a liderança feminina na governança da água é fundamental para uma adaptação climática eficaz e políticas inclusivas,” explica.
Além de uma questão de acesso, há a preocupação de como o aquecimento global, e consequentemente as secas e inundações poderão afetar ainda mais a qualidade de vida de milhares de pessoas e países, principalmente os do Hemisfério Sul do planeta. Esse é um ponto importante que a organização estará focando na COP30, que recebe diversos representantes de países afetados pelo aquecimento global.
“O que realmente estamos defendendo na COP 30 é a priorização dos direitos humanos, água e ao saneamento como pilares críticos na adaptação climática. Dar reconhecimento explícito à água e ao saneamento nas decisões de adaptação e de financiamento. Água e saneamento devem ser identificados como setores prioritários,” explica.
Uma mulher caminha pela lama trazida pelas enchentes causadas pelas inundações e por um tufão em Thai Nguyen, Vietnã (Magdalena Chodownik/Anadolu/Getty Images)
No entanto, a SWA, apesar de ter o apoio da UNICEF, ainda enfrenta dificuldades que vão desde um âmbito político a até conflitos em andamento. Recentemente, o presidente dos EUA, Donald Trump disse que não acreditava que o aquecimento global era algo real, e como um país de grande influência, ele pode levar outros a se afastarem da luta e esforços climáticos.
“Estamos vivendo em um mundo que está em constante fluxo e existem vários desafios geopolíticos. A migração e o deslocamento impulsionados pelo clima também estão aumentando em estados frágeis, particularmente aqueles afetados pela escassez de água e pelas lacunas de acesso à água e ao saneamento. Portanto, garantir o acesso a esses direitos humanos básicos, não apenas para as pessoas ou comunidades em fluxo, ou deslocadas, mas também para as comunidades anfitriãs que acolhem essas pessoas, é fundamental para a inclusão social, para a saúde pública e a estabilidade. E especialmente nos contextos de fragilidade ou zonas de conflito, o investimento em programas participativos e inclusivos de água e saneamento pode reforçar a confiança e reduzir o risco de exclusão e até mesmo de conflito,” disse Kapoor, reforçando que a SWA opera no princípio da neutralidade, inclusão e ação coletiva.
Durante a COP30, a SWA apresentou um novo relatório de políticas que engloba todos os esforços climáticos e de inclusão de gênero, reforçando a necessidade de criar medidas especiais para países que estão participando do fórum e têm parceria com a organização.
Capa da matéria: James Wakibia/SOPA Images/LightRocket/Getty Images
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