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Wozniak abandonou a universidade para fundar a Apple. Anos depois, já milionário, uma pancada na cabeça mudou completamente o rumo de sua vida

Depois, voltou para a universidade usando um pseudônimo e com uma missão clara: nunca mais voltar para o mundo dos negócios

Universidade e o mundo de negócios. Imagem:  Fuente (Berkeley) | Imágenes | Berkeley
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

A primeira Apple era facilmente comparada ao Yin e Yang. O Yin, sem dúvida, era Steve Jobs. Já o outro Steve, Wozniak, era o Yang. Wozniak começou seus estudos com a precisão de um osciloscópio e um sorriso quase infantil. Ele era brilhante — do tipo que constrói calculadoras científicas no tempo livre.

Mas a universidade não durou muito

Segundo algumas versões, ele foi expulso por acumular uma conta astronômica (equivalente a 50 mil dólares atuais) no sistema de informática do campus. Outras histórias dizem que foi por enviar mensagens de brincadeira usando os computadores da instituição. E há quem diga que ele simplesmente se cansou e decidiu sair.

Mas isso pouco importa porque menos de um ano depois, Bill Fernandez os apresentaria e os dois Steves se tornariam colegas inseparáveis. Juntos, programariam o jogo Breakout para a Atari, fundariam a Apple e, a partir daí, tudo sairia completamente dos trilhos.

O acidente que apagou sua memória (e o fez questionar tudo)

Wozniak possui um doutorado honorário em engenharia concedido pela Universidade de Boulder, no Colorado. Mas é honorário, porque ele nunca completou seus estudos formais de forma convencional.

Em setembro de 1968, começou sua graduação, mas em menos de um ano já havia deixado a universidade. Depois passou pelo De Anza College e, mais tarde, ingressou na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde finalmente concluiu seu diploma em engenharia elétrica e ciências da computação.

Mas é importante entender o que aconteceu nesse meio tempo. Por quê? Porque não foi só a criação do Apple I que mudou a história — Wozniak passou por alguns daqueles momentos que realmente transformam uma vida. Daqueles que te forçam a começar do zero.

Em 1981, um acidente foi o que realmente o desconectou da realidade. Durante a decolagem em Santa Cruz Sky Park, ele sofreu um impacto brutal na cabeça, que resultou em uma perda severa de memória de curto prazo. Woz passou a esquecer conversas, tarefas e até que dia era. Por semanas, ele sequer se deu conta de que tinha sofrido um acidente — só entendeu a gravidade da situação ao perceber as reações das pessoas ao seu redor.

Esse vazio não afetou apenas sua vida pessoal — também o afastou da Apple, abalou suas certezas e, com o tempo, o fez buscar respostas onde nunca havia procurado: na psicologia. Segundo o livro iWoz: Computer Geek to Cult Icon, seus médicos não sabiam o quanto essa perda de memória era comum entre sobreviventes de acidentes, o que o levou a adotar uma nova perspectiva de vida.

Ele chamou esse período de a "Década do Eu" (The Me Decade). Woz passou a organizar shows beneficentes, se casou, refletiu profundamente sobre sua trajetória e começou a explorar novas maneiras de se conectar com o mundo. Talvez tenha sido um dos primeiros protótipos do que hoje conhecemos como TED Talks ou até mesmo Burning Man — não por acaso, deu inúmeras palestras nessa fase.

E então, de repente, surge uma ideia que parece absurda: voltar para a universidade.

Os anos 80 chegaram — cabelos armados com spray, guitarras com reverb e calças coloridas. Em dezembro de 1980, a Apple abriu seu capital na bolsa, e os investidores compraram todas as 4,6 milhões de ações disponíveis, vendidas a 22 dólares cada.

Enquanto isso, Steve Wozniak voltou em silêncio para a Universidade da Califórnia em Berkeley. Sim, a mesma onde estudaram Oppenheimer e James Cameron. Mas, como mencionamos antes, esse retorno teve um toque especial: ele não se matriculou como Steve Wozniak, mas como Rocky Raccoon Clark — um nome criado a partir do seu cachorro e do nome de sua noiva.

Woz não queria câmeras, não queria expectativas — nem favores acadêmicos. E a universidade concordou com a ideia.

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Ele só queria aprender

"Meu nome era famoso, mas meu rosto, não", contou em várias entrevistas. Quem volta a estudar depois de uma década sabe bem como é — não é fácil se readaptar aos hábitos acadêmicos, especialmente quando se tem filhos. Wozniak sabia que seu desempenho poderia ser mediano e preferia que ninguém soubesse quem ele realmente era. Afinal, enfrentar a pressão das notas já é suficiente para causar dor de cabeça.

E foi exatamente isso que ele fez. Paralelamente às aulas de engenharia, começou a se aprofundar nos estudos sobre a memória humana — chegou até a considerar mudar de especialidade. Nos intervalos, se refugiava no La Val’s Pizza para jogar Defender e seguia praticando guitarra, mantendo viva sua paixão pela música.

Professor Woz, os festivais esquecidos e um legado além da Apple

Com o tempo, Wozniak se tornou mais do que apenas um engenheiro ou cofundador da Apple. Ele se transformou em uma figura quase mítica no Vale do Silício — alguém que, além de revolucionar a tecnologia, tentou transformar a forma como nos conectamos e celebramos a inovação.

Nos anos 80, em plena "Década do Eu", ele organizou festivais que quase ninguém lembra hoje, mas que, em muitos aspectos, anteciparam o espírito do Burning Man e do TED. Para Woz, tecnologia e cultura sempre andaram lado a lado, e sua influência foi muito além dos circuitos e placas-mãe.

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E ele se formou, pode apostar

Anos depois, fez um dos discursos mais épicos da história da universidade. Mas, quando finalmente pegou seu diploma, Wozniak tomou uma decisão que surpreendeu muitos: não voltou para a Apple. Nem sequer considerou percorrer os corredores da empresa que ajudou a fundar, cheio de engenheiros pedindo conselhos. Pelo contrário, tornou-se professor voluntário em uma escola secundária.

Começou ensinando informática para seu filho Jesse, mas acabou estendendo as aulas para toda a turma. Conversavam sobre AOL, hardware e, claro, videogames.

No fim das contas, Woz passou oito anos nas salas de aula e, sem dúvida, se tornou o professor favorito de muitos adolescentes. Foi justamente nesse período que ele intensificou seu lado criativo: co-desenvolveu o primeiro controle remoto universal, trabalhou em sistemas de GPS, se tornou diretor científico da Fusion-io — uma das startups mais inovadoras no armazenamento de dados — e até apareceu como ele mesmo em The Big Bang Theory.

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No campus da Universidade de Berkeley, existe uma sala chamada Wozniak Lounge — uma das maiores do local. Em San José, há também uma rua com seu nome, a Woz Way, próxima ao Museu da Descoberta Infantil, que ele ajudou a financiar.

Mas essa decisão de usar um nome falso para poder continuar aprendendo talvez seja a resposta perfeita para uma pergunta que muitos de nós nos fazemos de vez em quando: Devo retomar os estudos?

Nunca é tarde quando o propósito é verdadeiro.

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