Garotas do Radium: a trágica e fatal história de jovens envenenadas pela própria profissão

Contratadas para pintar mostradores de relógios nos anos 1917, milhares de mulheres foram expostas a altas doses de radiação sem proteção, resultando em mortes e no fortalecimento das leis trabalhistas nos Estados Unidos

Trabalhadoras da U.S. Radium. Créditos: Wikimedia Commons
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Laura Vieira

Redatora
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Laura Vieira

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Jornalista recém-formada, com experiência no Tribunal de Justiça, Alerj, jornal O Dia e como redatora em sites sobre pets e gastronomia. Gosta de ler, assistir filmes e séries e já passou boas horas construindo casas no The Sims.

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Antes da criação das leis segurança no local de trabalho, por volta do início do século XX, acidentes envolvendo operários e funcionários de fábricas e indústrias era uma realidade muito comum. Esses acidentes envolviam vários tipos de incidentes, como insalubridade, lesões e exposição a substâncias perigosas, como radiação. É exatamente isso que aconteceu com as Garotas do Radium, em 1917. Elas trabalhavam na United States Radium, uma companhia estadunidense que desenvolveu tinta radioativa fluorescente, e acabaram adoecendo devido à exposição de material radioativo. Graças a elas e a repercussão do caso, foram criadas leis trabalhistas nos Estados Unidos para proporcionar maior segurança no trabalho. A seguir, entenda mais sobre a história trágica dessas meninas.

Quem foram as Garotas do Radium?

Entre os anos de 1915 e 1918, no auge da Primeira Guerra Mundial, a United States Radium, empresa sediada em Orange, Nova Jersey, EUA, contratou cerca de 4 mil jovens mulheres para trabalhar em uma função relativamente fácil na fábrica: pintar mostradores de relógios com uma tinta fluorescente. Inicialmente, pode parecer um trabalho inofensivo e tranquilo. Porém, o pigmento que brilhava no escuro era feito à base de radium, um elemento radioativo perigosíssimo, descoberto por Marie Curie poucas décadas antes, em 1989.

O trabalho das garotas exigia precisão e atenção. Para manter as cerdas dos pincéis que pintavam os relógios bem finas, as funcionárias eram incentivadas a lambê-los com a boca. A prática, contudo, fez com que elas ingerissem pequenas quantidades de radium diariamente, sem nenhum tipo de alerta ou orientação da empresa sobre os riscos. Enquanto isso, químicos, proprietários e fornecedores manipulavam a substância com luvas, máscaras e telas de chumbo, o que demonstra que eles sabiam sobre os riscos associados à exposição do radium.

Garotas de Radium ficaram doentes e passaram a apresentar sintomas graves

Mulher pintando relógio. As mulheres contratadas precisavam de precisão para a pintura dos relógios. Créditos: ElPaís

Os efeitos da contaminação começaram a surgir poucos anos depois que as meninas começaram a trabalhar na United States Radium. Muitas delas ingressaram ainda adolescentes na empresa e começaram a apresentar os primeiros sintomas de contaminação aos 20 anos. As primeiras queixas pareciam ser inofensivas, como manchas na pele, queda de cabelo e cansaço constante. Mas logo os sintomas começaram a se agravar, e as mulheres começaram a apresentar ossos frágeis, fraturas espontâneas, dores intensas, necroses e tumores

A situação fugiu do controle e se espalhou rapidamente. Algumas funcionárias chegaram a usar a tinta nas unhas e até nos dentes, para brilhar em festas, sem imaginar as consequências da atitude. O número de mortes nunca foi oficialmente contabilizado, mas acredita-se que milhares de mulheres foram afetadas. Muitas delas, inclusive, morreram sem saber o motivo e nem receberam nenhum auxílio da United States Radium. No intuito de abafar o caso, médicos ligados à empresa chegaram a falsificar exames, e para piorar,  atribuíam os sintomas a doenças sexualmente transmissíveis e infecções alérgicas, tentando desmoralizar as mulheres.

Apenas em 1933, foram realizadas as primeiras medições científicas da radioatividade presente nos corpos das sobreviventes, com a ajuda do médico Robley D. Evans. O médico ajudou cerca de 27 mulheres contaminadas com radium. Foram esses estudos que ajudaram a definir os limites de segurança para a exposição ao radium no corpo humano, fixando em 0,1 micro-Curie o máximo tolerado pelo organismo humano.

Cinco ex-trabalhadoras denunciaram a empresa por negligência

Diante do silêncio, negligência da empresa e do agravamento dos casos, cinco ex-funcionárias decidiram levar o caso aos tribunais. Alguns dias antes do início do julgamento, as mulheres aceitaram com um acordo e foram indenizadas, sendo um dos primeiros casos em que funcionários conseguiram indenização de um empregador. O processo contra a United States Radium ficou famoso e se tornou um marco no direito trabalhista norte-americano, abrindo caminho para que empregados em situações semelhantes processassem as empresas. 

Apesar da gravidade do caso, que levou à morte de milhares de meninas, a empresa tentou de todas as formas se isentar da responsabilidade. Em Illinois, outra sede da empresa, foram necessárias oito derrotas judiciais até que indenizações fossem pagas às vítimas. Sem contar que o pagamento só aconteceu em 1938, mais de duas décadas após o início das contaminações. A repercussão foi tão grande que o caso chegou à Suprema Corte dos EUA, o que acabou impulsionando a criação de leis mais rigorosas de segurança no trabalho.


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