Na segunda-feira (20), uma queda generalizada no Amazon Web Services (AWS) paralisou parte da internet — e não foi só um problema técnico. O apagão da principal nuvem corporativa do mundo levantou uma discussão que vai muito além dos data centers e códigos de servidor: até que ponto o colapso digital de uma empresa privada pode virar um problema jurídico global?
O que é AWS?
O AWS é o coração invisível da internet moderna. Ele abriga desde sistemas bancários até plataformas de streaming, passando por apps de transporte, e-commerce e até órgãos públicos. Como o nome deixa claro, faz parte do conglomerado de Jeff Bezos, que tem a Amazon como empresa mais conhecida. O AWS existe desde 2006, mas foi só em 2021 que o serviço passou a concorrência (Azure da Microsoft e GCP do Google) e se tornou líder de mercado.
Dessa forma, quando o AWS falha, o mundo tropeça junto. E, dessa vez, a instabilidade reacendeu o debate sobre governança de dados, compliance e responsabilidade contratual em um cenário onde cada segundo offline significa prejuízo — e risco legal. Afinal, não foram só dispositivos Echo com Alexa que ficaram mudos — no meu caso, até algumas lâmpadas de casa estão literalmente no escuro, como diversos sistemas muito mais importantes do que a minha sala.
A nuvem caiu
Segundo Alexander Coelho, especialista em Direito Digital e sócio do Godke Advogados, o incidente vai muito além de uma falha técnica. “Este não é apenas um problema operacional, é um estresse de governança”, explica. Ele alerta que cláusulas antes tratadas como burocracia — como as de SLA (Service Level Agreement) e de responsabilidade civil — agora estão no centro das atenções. “Onde o contrato é genérico, a disputa vira regra”, resume.
O apagão do AWS escancara o que muitos executivos fingem não ver: a nuvem não é só tecnologia, é infraestrutura econômica e regulatória. Quando um servidor cai e deixa milhões sem acesso a serviços essenciais, a questão deixa de ser de TI e passa a ser de Direito. Isso inclui, inclusive, possíveis notificações à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) em casos de indisponibilidade prolongada.

Para Coelho, a lição é clara: as empresas precisam parar de tratar cloud computing como simples conveniência e passar a encará-la como parte central da governança corporativa. Isso envolve revisar contratos, testar planos de contingência e garantir que falhas — inevitáveis em algum momento — não virem tragédias jurídicas.
“Quanto mais digital a economia, mais jurídico é cada minuto de indisponibilidade”, reforça o advogado. “Quem trata a nuvem como TI vai aprender do jeito difícil”.
O que as empresas podem fazer agora?
Coelho recomenda algumas práticas imediatas para quem quer evitar o caos de um próximo apagão:
- Mapeie dependências críticas, como regiões e serviços terceirizados.
- Revise contratos e cláusulas de SLA, responsabilidade e disaster recovery.
- Teste resiliência, com simulações de falhas e planos de comunicação.
- Fortaleça o compliance, documentando impactos e preservando evidências.
- Leve o tema à alta gestão, com planos de mitigação e governança ativa.
A nuvem dá impressão de ser algo que podemos contar sempre, mas não é bem assim e os problemas causados por esses apagões momentâneos são bem reais — e cada vez mais jurídicos.
Créditos de imagens: Algi Febri Sugita/SOPA Images/LightRocket via Getty Images, Thomas Trutschel/Photothek via Getty Images
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