"Não produz tecnologia": Idec rebate Lula e diz que data center do TikTok é apenas "obra civil" que gasta energia

Declarações do presidente repercutem mal entre organizações de defesa do consumidor, que apontam distorções sobre o real impacto do empreendimento

Crédito de imagem: TikTok
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João Paes

Redator
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João Paes

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Escreve sobre tecnologia, games e cultura pop há mais de 10 anos, tendo se interessado por tudo isso desde que abriu o primeiro computador (há muito mais de 10 anos). 

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Um data center não é exatamente um monumento ao futuro, ou algo que gera polêmica naturalmente, mas um deles tem se tornado personagem central de uma disputa sobre pontos de vistas diferentes. Durante um evento em Fortaleza, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou o megaprojeto do TikTok no Ceará como símbolo de soberania digital, prosperidade e até independência tecnológica. O problema? Para quem acompanha de perto o licenciamento ambiental e os incentivos fiscais do empreendimento, o discurso presidencial não colou, como também mascara riscos concretos para o estado e para suas comunidades.

O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) divulgou um posicionamento contundente após as falas de Lula. Para a organização, o presidente distorce a natureza real do projeto ao sugerir que o data center impulsionaria pesquisa, inovação ou formação de especialistas brasileiros. Nada disso está previsto. Na prática, trata-se de uma obra gigante, feita para abrigar equipamentos de uma empresa estrangeira e responder à lógica de expansão global da plataforma.

E enquanto o governo celebra o suposto salto tecnológico, o empreendimento avança sobre território, recursos naturais e benefícios fiscais generosos. Sim: o TikTok não pagará os impostos que, em tese, deveriam reforçar orçamentos de educação, ciência e tecnologia — áreas que realmente constroem capacidade intelectual e inovação no país. É o tipo de contradição que faz o discurso soar mais como marketing político do que como política pública.

Outro ponto que chamou a atenção do Idec foi a confiança pessoal evocada por Lula. “Confio no governador”, “confio no povo cearense para cobrar”. Mas, diante de um licenciamento com falhas graves — incluindo o enquadramento ambiental equivocado e a autorização para consumo de água sete vezes maior que o previsto — confiar não é suficiente. É o famoso “vai dar certo” aplicado a um empreendimento que já nasce envolto em questionamentos.

O alerta é simples, mas incômodo: infraestrutura pesada não é sinônimo de avanço tecnológico. E, quando essa infraestrutura demanda volumes massivos de água em uma região onde comunidades ainda dependem de caminhões-pipa, o impacto social deixa de ser detalhe — vira centro da discussão.

Entenda o Caso

A polêmica em torno do data center ganhou novo capítulo quando a Semace liberou a construção de uma ponte de 38 metros sobre uma área de proteção permanente no Lagamar do Cauípe. A obra, apresentada como de “utilidade pública”, beneficia diretamente o empreendimento privado ligado ao TikTok — que deve consumir, sozinho, mais energia que 99,9% das cidades brasileiras.

A justificativa da Semace se apoia em uma lei estadual e em uma resolução da Anatel, mas especialistas consideram a interpretação forçada. Para o Idec, data centers não prestam serviço público e não podem ser enquadrados como telecomunicações. O parecer, portanto, abre um precedente perigoso para liberar intervenções ambientais em nome de interesses corporativos.

Além disso, o projeto avança sobre território reivindicado pelo povo Anacé, que não foi consultado conforme determina a Convenção 169 da OIT. Moradores relatam que o governo só pretende realizar reuniões comunitárias após a licença final — quando tudo já estiver decidido.

Enquanto isso, cresce a pressão para que o Ministério Público Federal investigue irregularidades no licenciamento. Para comunidades locais, o caso virou símbolo de um modelo de “desenvolvimento” que ignora impactos reais em nome da velocidade e da conveniência política.


Crédito de imagem: TikTok

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