Se eu lhe dissesse hoje que Bill Gates foi, em certa época, o maior evangelista do Macintosh, você provavelmente pensaria que se trata de uma piada de 1º de abril ultrapassada. Estamos acostumados a ver a Microsoft e a Apple como duas gigantes destinadas a cooperar a contragosto, mas houve um dia, especificamente em novembro de 1984, em que o fundador do Windows não só apoiava a Apple, como também era o melhor em vender sua visão.
Era 1984. A Apple acabara de lançar o Macintosh original e gastara uma fortuna naquele comercial distópico de Ridley Scott, onde o inimigo tinha um nome: IBM. Em Cupertino, estavam tão obcecados em derrubar a "Big Blue" que não conseguiam enxergar o panorama geral. A verdadeira ameaça não estava nos escritórios da IBM, mas sim se formando na Microsoft.
A Microsoft se tornou a melhor aliada do primeiro Macintosh
Em uma matéria de capa da BusinessWeek naquele novembro, Bill Gates disse:
"A próxima geração de softwares interessantes será feita no Macintosh, não no IBM PC".
Lendo isso hoje, parece impossível. Porém, naquela época a Microsoft não era a gigante dos sistemas operacionais que conhecemos hoje, mas sim uma das desenvolvedoras mais importantes para o Mac. De fato, quase metade de sua receita na época vinha da venda de softwares da Apple.
Bill Gates, com um pragmatismo que às vezes faltava em Cupertino, compreendeu o potencial da interface gráfica do usuário antes de qualquer outra pessoa. Ele defendeu o mouse e as janelas quando o resto do mundo ainda digitava comandos em fósforo verde. Ele precisava que o Mac funcionasse porque seus melhores produtos, Excel e Word, dependiam dele.
O acordo que entregou a interface do Mac à Microsoft
A história se complicou logo depois. Após a saída de Steve Jobs, em 1985, John Sculley, tentando garantir que a Microsoft continuasse desenvolvendo software para a plataforma, assinou um acordo que definiria o futuro de ambas as empresas. Ele concedeu à Microsoft uma licença "perpétua, mundial e livre de royalties" para usar elementos visuais do Mac em seus sistemas futuros.
Basicamente, a Apple entregou as chaves do design da interface do usuário à mesma empresa que, apenas um ano antes, a elogiava efusivamente. O que se seguiu foi um lento declínio para a Apple e uma ascensão meteórica para sua rival. A Apple tentou estancar a sangria nos tribunais, processando a Microsoft em 1988 por copiar sua "aparência e funcionalidade". Mas os tribunais, em 1994, rejeitaram o último recurso da Apple. Esse documento, assinado por Sculley, protegeu a Microsoft.
Enquanto os advogados da Apple perdiam nos tribunais, a Microsoft vencia nas lojas. O lançamento do Windows 95 foi o golpe final: em apenas um ano, venderam 40 milhões de cópias, em comparação com os míseros 4,5 milhões de Macs que a Apple conseguiu vender no mesmo período. A diferença era de 10 para 1.
Em 1996, a Apple já não era mais uma rival, mas sim uma empresa sitiada, acumulando um bilhão de dólares (cerca de R$ 5,3 bilhões na cotação atual) em prejuízos e demitindo 3.800 funcionários. A empresa estava a 90 dias da falência.
O dia em que Bill Gates salvou a Apple
É impossível entender a Apple hoje sem esse contexto de desespero. É por isso que a imagem da Macworld de 1997 é tão impactante, com um Steve Jobs recém-chegado engolindo seu orgulho para anunciar que Bill Gates estava investindo US$ 150 milhões (cerca de R$ 801,9 milhões na cotação atual) para manter a empresa à tona.
Internet Explorer no Mac OS X como parte desse acordo
Sem esse aporte de capital e sem o compromisso da Microsoft de manter o Office no Mac por mais cinco anos, talvez não estivéssemos falando do iPhone, do iPad ou do Apple Silicon hoje. No fim das contas, Gates estava certo em 1984: o Mac era o futuro. O paradoxo é que foi a Microsoft que acabou financiando a sobrevivência desse futuro. Em troca, é claro, de perder boa parte da interface gráfica ao longo do caminho.
Texto original de Guille Lomener
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