A China está há vários anos imersa em seu próprio "projeto Manhattan". Diferentemente do plano executado pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, não se dedica à criação de armas nucleares (que a China já possui desde meados dos anos 1960); o objetivo é colocar nas mãos das empresas chinesas a capacidade de fabricar circuitos integrados de ponta, comparáveis aos mais avançados atualmente produzidos em Taiwan, EUA, Coreia do Sul e Japão.
As sanções impostas pelos governos dos EUA e dos Países Baixos impedem que a empresa holandesa ASML venda a seus clientes chineses os seus equipamentos de fotolitografia mais avançados, as máquinas de ultravioleta extremo (UVE). Sem esses equipamentos, os fabricantes chineses de chips, como SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corp), Hua Hong Semiconductor, China Resources Microelectronics e Guangzhou ZenSemi não conseguem produzir circuitos integrados equivalentes aos já fabricados pela TSMC, Intel ou Samsung.
A China precisa ter suas próprias máquinas de fotolitografia UVE o quanto antes. Sua economia, e sobretudo seu desenvolvimento técnico e científico, estão em jogo. O problema é que desenvolver essa máquina é muito complexo. De fato, a ASML levou mais de duas décadas para aperfeiçoá-la. E contou com o apoio econômico de seus melhores clientes (TSMC, Intel e Samsung), além da colaboração de várias empresas detentoras de tecnologias de ponta, como a alemã Zeiss, que fabrica os elementos ópticos das máquinas de litografia, e a empresa de origem americana Cymer, que produz a fonte de luz ultravioleta.
A China está finalizando um gigantesco sincrotron que produzirá luz UVE
Em meados de março, vários veículos de imprensa asiáticos divulgaram uma fotografia tirada no centro de pesquisa da Huawei em Dongguan, na província de Cantão, na qual aparecia o protótipo de um equipamento de litografia UVE projetado e fabricado inteiramente na China. Presumivelmente, essa máquina é similar às produzidas pela ASML, o que nos leva a prever que, durante 2026, o país liderado por Xi Jinping terá capacidade para produzir em grande escala chips avançados. No entanto, os planos da China não param por aí.
A Academia Chinesa de Ciências está finalizando, sem dúvida, o projeto mais ambicioso dentre todos os que a indústria chinesa de semicondutores está desenvolvendo. Segundo a doutora Kim, especialista na fabricação de circuitos integrados que trabalhou na Samsung e que atualmente pesquisa para a TSMC nos EUA, a China está prestes a alcançar um "momento DeepSeek" no âmbito da indústria de circuitos integrados. Isso significa, simplesmente, que está se preparando para uma disrupção que tem o potencial de colocar o país asiático no mesmo nível dos EUA, Taiwan e Coreia do Sul.
Entretanto, a estratégia da China para produzir chips de ponta é muito diferente da que seus rivais utilizaram até agora. Como vimos, cada uma das máquinas UVE da ASML incorpora sua própria fonte de luz ultravioleta, mas a Academia Chinesa de Ciências busca gerar essa radiação tão importante para a produção de chips avançados usando um sincrotron — que nada mais é do que um acelerador de partículas circular utilizado para analisar, a nível atômico, as propriedades da matéria, como diferentes tipos de materiais ou até mesmo proteínas. Esse sincrotron se chama HEPS (High Energy Photon Source, ou Fonte de Fótons de Alta Energia), está localizado em Pequim e podemos vê-lo na imagem no topo deste texto.
Um apontamento importante antes de seguir adiante: a luz ultravioleta (UV) é a responsável por transferir o padrão geométrico que contém o design dos chips para a pastilha de silício. Isso significa, em linhas gerais, que a luz UVE tem a capacidade de possibilitar a fabricação de circuitos integrados com uma resolução maior do que a luz ultravioleta profunda (UVP) usada nas máquinas de litografia da geração anterior que a China possui. E uma resolução maior, na prática, implica que é possível produzir semicondutores com mais transistores e, portanto, mais sofisticados e potentes.
A princípio, podemos pensar que um acelerador de partículas não tem relação alguma com a fabricação de circuitos integrados, mas estaríamos deixando passar algo muito importante: o sincrotron HEPS tem a capacidade de produzir luz UVE de alta potência. De fato, é uma fonte projetada para gerar uma grande quantidade de radiação.
O plano da China é instalar, ao redor do acelerador de partículas, várias fábricas de semicondutores às quais o sincrotron fornecerá a luz UVE da mesma forma que uma usina elétrica entrega eletricidade aos seus clientes. É simples assim. Ainda não foi divulgada a data em que a China planeja colocar em operação essa megafábrica de semicondutores de ponta, mas, como podemos ver na fotografia, já está bastante avançada, então podemos assumir que entrará em produção em breve.
Imagem | Dr. Kim
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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