Poucos designers de efeitos especiais tiveram tanto impacto no mundo do cinema quanto ele. Se as décadas de 1980 e 1990 foram esteticamente dominadas pela Industrial Light & Magic e pelo gigante colorido e ingênuo da empresa de George Lucas, o novo século acolheu uma nova geração de filmes de ficção científica e seus efeitos. O porta-estandarte dessa mudança foi 'Matrix' e os impressionantes e ainda impecáveis truques digitais de John Gaeta.
Embora Gaeta tenha entrado para a história por seu revolucionário bullet time, que permitiu capturar cenas em um espaço virtual que podia ser manipulado digitalmente — técnica pela qual ganhou o Oscar de Melhores Efeitos Visuais — seu trabalho foi além dessa trilogia fundadora, em filmes como 'O Curioso Caso de Benjamin Button' e 'Avatar'. Ele é um dos fundadores da ILMxLAB, divisão da LucasFilm especializada em realidade virtual e realidade mista.
Em uma entrevista durante a Comic-Con de Málaga (Espanha), Gaeta conversou sobre todos esses tópicos. Perguntado sobre como ele vê seu próprio papel como um clássico absoluto na história dos efeitos especiais, ele diz o seguinte:
"'Matrix' iniciou um novo capítulo na mídia volumétrica: o mundo real, incluindo atores e personagens, foi incorporado a uma forma prototípica de simulação".
Mas ele não o entendia como uma simulação, mas sim como "uma versão tridimensional de uma cena ou momento no mundo real". E isso se encaixava na ideia do filme, onde "não entendemos que já estamos dentro da simulação".
Em outras palavras, e esta era a grandeza: os efeitos especiais levavam em conta o enredo e a mensagem do filme; se no futuro as máquinas quisessem simular o mundo real, teriam que capturá-lo visualmente e traduzi-lo:
"Teríamos que capturar o mundo real e, de alguma forma, traduzi-lo em mídia espacial, computação gráfica. E foi aí que começamos a incluir a captura de atores".
É claro que as dificuldades técnicas começaram: "Essas coisas naquela época eram como esculturas. Não eram interativas ou dinâmicas", e eles tiveram que criá-las do zero.
"Acho que 'Matrix' foi um evento catalisador na nova forma de mídia, uma mídia com potencial", concluiu.
E é por isso que sequências como aquela em que Neo desvia de balas são mais do que uma demonstração de habilidade técnica:
"Aquele momento representa como sua mente prevalece sobre a matéria, sobre a Matrix; há uma certa autorrealização. Ele é capaz de controlar a simulação que manipulou sua realidade; é um momento decisivo. E precisávamos mostrar algo nunca visto antes, algo sobrenatural, e que o espectador testemunhasse".
Ou, para colocar em termos de como é capturado na tela:
"A câmera pode enganar o tempo e o espaço porque estamos assistindo a uma pessoa que, naquele momento, percebeu que pode enganar o tempo e o espaço".
O Futuro dos Efeitos
Ao ser perguntado sobre o futuro dos efeitos especiais, Gaeta deixou bem claro que eles residem na IA, o que não é surpreendente, considerando que ele está atualmente imerso na direção da Escape.ai, uma plataforma que potencializa a narrativa audiovisual com inteligência artificial. Com ela, ele pretende democratizar a criação de conteúdo:
"Nos próximos dez anos, veremos a união de todas as mídias (do cinema às mídias imersivas, como realidade virtual ou videogames) em um único meio multimodal, graças à IA."
O que estamos vendo agora é apenas o começo, "uma vez que a IA generativa não é tão simplista quanto é atualmente, treinando-se em mídias bidimensionais passivas para simulá-las". Qual é esse futuro, então?
"Quando começar a se aprofundar mais, adquirindo inteligência espacial, inteligência física e inteligência científica (porque será treinada para diferentes propósitos por cientistas, educadores, governos, etc.), teremos a possibilidade de acessar entretenimento que não consistirá mais apenas em visualização passiva."
E essa ausência de passividade por parte do espectador (que deixará de ser apenas um espectador, segundo Gaeta) é o que a IA nos trará:
"Seremos literalmente capazes de dizer: 'Ok, agora não quero ninguém predeterminando o conteúdo deste mundo virtual que já me mostrou uma história. Quero me afastar, virar a esquina, entrar neste mundo e começar a interagir com os personagens e até mesmo jogar neste ambiente, ou fazer o que eu quiser'".
Gaeta acredita cegamente nas possibilidades da IA para gerar esses mundos completamente interativos e imersivos, criados de acordo com as necessidades do usuário.
E isso, é claro, traz consigo um conjunto de riscos correspondentes, que Gaeta reluta em discutir. Mas, no fim das contas, ele admite que "é assustador e, ao mesmo tempo, emocionante".
Sempre aconteceu. Como a tecnologia usada para fabricar carros, que substituiu os cavalos, e é a mesma tecnologia que acabou levando à fabricação de tanques, e isso é assustador. A televisão deveria ser uma grande educadora, mas acabou se revelando um dispositivo que distorce a realidade. Tudo tem um preço".
"A tecnologia é uma faca de dois gumes, então haverá pessoas que usam as coisas para o bem e criam coisas extraordinárias, soluções, inspiração, e haverá pessoas más, e sempre há, que explorarão, tentarão escravizar, tentarão destruir. Temos que ser maduros em relação a isso e saber que a tecnologia sempre acaba revelando essa dualidade", conclui Gaeta.
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