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Antecipando possível guerra com a China, os EUA iniciaram uma corrida desesperada para dobrar seus mísseis

Se os EUA querem manter sua dissuasão frente à China, precisam demonstrar que conseguem sustentar a produção em massa da qual depende sua rede de alianças

Mísseis nos EUA / Imagem: Lockheed Martin, MApN, U.S. Navy
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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Quando a China abriu o telão de seu desfile militar, mostrou muito mais do que seu poder armamentista. Foi uma mensagem clara e direta, que teve reação poucos dias depois, quando os Estados Unidos deram um passo enviando sua nova plataforma de mísseis para o Japão. Depois, descobriu-se que, no caso de mísseis, há 3.500 apontados na mesma direção. Desde então, os Estados Unidos iniciaram uma corrida desesperada: dobrar sua própria produção de mísseis para o que der e vier.

O despertar estratégico

O Wall Street Journal relatou que o Pentágono soou todos os alarmes diante da evidência de que seus arsenais de mísseis não seriam suficientes para sustentar um conflito prolongado com a China. A invasão russa à Ucrânia e o consumo massivo de interceptores na Europa já haviam mostrado a fragilidade da base industrial dos EUA.

No entanto, segundo o jornal, foi a guerra de doze dias entre Israel e Irã — na qual Washington lançou centenas de mísseis de alta tecnologia para apoiar seu aliado — que esvaziou de vez os depósitos e precipitou um plano de emergência. A mensagem que circula nos escritórios do Pentágono é clara: o arsenal atual não é suficiente para defender Taiwan nem as bases aliadas no Pacífico caso ocorra um confronto direto com Pequim.

Para enfrentar essa realidade, o Departamento de Defesa criou um órgão extraordinário, o Munitions Acceleration Council, dirigido pessoalmente pelo subsecretário Steve Feinberg, que liga toda semana para os principais executivos da indústria exigindo aumentos imediatos. A estratégia busca duplicar, e até quadruplicar, a produção dos doze mísseis considerados críticos: desde os interceptores Patriot, passando pelo Standard Missile-6, os Long Range Anti-Ship Missiles, os Precision Strike e os Joint Air-Surface Standoff Missiles.

O próprio secretário de Defesa, Pete Hegseth, e o chefe do Estado‑Maior, o general Dan Caine, presidiram reuniões com gigantes como Lockheed Martin, Raytheon e Boeing, mas também com novos atores como a Anduril Industries e com fornecedores-chave de componentes, desde propelentes sólidos até baterias.

O destróier de mísseis guiados USS John Paul Jones (DDG-53) da Marinha dos Estados Unidos lança um míssil RIM-174 Standard ERAM (Standard Missile-6, SM-6) O destróier de mísseis guiados USS John Paul Jones (DDG-53) da Marinha dos Estados Unidos lança um míssil RIM-174 Standard ERAM (Standard Missile-6, SM-6)

O desafio é monumental. A fabricação completa de um míssil pode levar até dois anos. As linhas de produção esfriaram após décadas de desinvestimento, fornecedores secundários desapareceram e peças críticas, como os buscadores frontais da Boeing, se tornaram verdadeiros gargalos. Ampliar turnos, adicionar metros quadrados de planta e treinar pessoal especializado exige bilhões em investimentos e compromissos firmes de compra.

Como lembram os especialistas, as empresas não produzem sem contrato: precisam de garantias de que o Pentágono não irá retirar o financiamento no meio do processo. Ainda assim, alguns fornecedores tomaram iniciativas antecipadas. A Northrop Grumman, por exemplo, investiu mais de 1 bilhão para expandir sua capacidade de motores de foguete, com a expectativa de dobrar a produção em quatro anos.

Novo modelo de aquisição

O caso mais urgente é o do Patriot PAC-3, cuja demanda global disparou. Em setembro, o Exército concedeu à Lockheed um contrato de quase 10 bilhões de dólares para fabricar 2.000 mísseis em três anos, mas o objetivo do Pentágono é alcançar esse mesmo número a cada doze meses, o que implica quadruplicar o ritmo atual.

Patriot Patriot

Para isso, a Boeing foi obrigada a expandir milhares de metros quadrados de sua fábrica para montar mais buscadores, enquanto a Lockheed estuda novos investimentos em linhas de montagem. Os porta-vozes afirmam que conseguirão entregar acima de sua capacidade declarada, mas todos exigem mais dinheiro e contratos plurianuais que deem estabilidade ao aumento da produção.

A pressão é tamanha que o Exército anuncia “mudanças massivamente substantivas” na forma de comprar armamento. Estão sendo exploradas fórmulas como licenciar tecnologias para fabricantes terceiros, atrair capital privado e garantir extensões de programas de registro para dar visibilidade da demanda a toda a cadeia de suprimentos.

Míssil de ataque de precisão Míssil de ataque de precisão

A administração Trump já destinou 25 bilhões de dólares extras em cinco anos por meio da Big, Beautiful Bill, mas os analistas concordam que será necessário multiplicar essa quantia por vários fatores para atingir os objetivos. O esforço, além disso, se insere em um debate maior: como manter uma base industrial capaz de sustentar guerras de alta intensidade em um mundo onde os arsenais se esgotam em semanas.

A China à espreita

A razão final para essa aceleração é a perspectiva de uma guerra no Pacífico. Um confronto por Taiwan exigiria proteger simultaneamente bases dos EUA e de aliados, garantir corredores marítimos e enfrentar uma Marinha chinesa cada vez mais equipada com mísseis hipersônicos e enxames de drones.

A superioridade dos EUA dependerá não apenas da qualidade de seus sistemas, mas da capacidade de repô-los rapidamente em caso de conflito prolongado. O Pentágono teme descobrir tarde demais que não possui o volume necessário para sustentar o embate. Daí a corrida contra o tempo para transformar a indústria em um arsenal de guerra em grande escala.

O esforço de aceleração revela a contradição estrutural do Ocidente: armas cada vez mais sofisticadas e caras, que se consomem em ritmo industrial, diante de adversários dispostos a inundar o campo de batalha com soluções de baixo custo e produção em massa.

Nesse sentido, a lição da Ucrânia parece clara: mísseis de milhões de dólares podem se esgotar em questão de meses, e reconstruir os estoques leva anos. Se os Estados Unidos querem manter sua dissuasão frente à China, precisarão demonstrar que conseguem sustentar não apenas a inovação tecnológica, mas também a produção em massa da qual depende a sobrevivência de sua rede de alianças.

Imagem | Lockheed Martin, MApN, U.S. Navy

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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