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Fome estelar: telescópios observam um objeto do tamanho de Júpiter devorando 6,6 bilhões de massas solares por segundo

Cha 1107-7626 é um objeto que promete causar grande repercussão na astronomia

Surto de acreção / Imagem: Javier Miranda
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Victor Bianchin

Redator
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Victor Bianchin é jornalista.

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Uma equipe internacional de astrônomos testemunhou um evento extraordinário: um objeto solitário, com massa de 5 a 10 vezes a de Júpiter, entrou em um violento e prolongado surto de crescimento. Usando a potência combinada do Telescópio Espacial James Webb (JWST) e do Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul, os cientistas observaram como esse objeto, conhecido como Cha J11070768-7626326, aumenta drasticamente seu brilho e seu ritmo de “alimentação”, comportando-se como uma estrela em miniatura.

Esta descoberta representa a primeira vez que se observa um surto de acreção do tipo "EXor", um fenômeno até agora associado a estrelas jovens, em um corpo de massa planetária. A constatação não é apenas um marco na observação astronômica, mas também algo que borra ainda mais as fronteiras entre o que consideramos um planeta gigante e uma estrela pequena.

O mistério

Cha 1107-7626 não é um planeta no sentido tradicional que todos temos em mente. Embora tenha uma massa comparável à de um gigante gasoso, não orbita nenhuma estrela e está a 620 anos-luz da Terra. Trata-se do que se conhece como um "objeto de massa planetária livre" ou FFPMO (sigla em inglês). A existência desses corpos solitários levanta uma questão fundamental para a astronomia: são planetas gigantes que foram expulsos de seus sistemas solares, ou são estrelas menores que podem existir de forma isolada?

Para resolver esse enigma que atualmente desafia os astrônomos, é necessário analisar o disco de gás e poeira ao redor do objeto, assim como a forma como o material se acumula. O fato de Cha 1107-7626 ter um disco e se alimentar dele sugere que sua origem se assemelha mais à de uma estrela.

Os astrônomos observaram Cha 1107-7626 em um estado de calma em abril e maio de 2025. No entanto, em junho, algo mudou drasticamente. O objeto entrou em um “surto de acreção”. Isso significa que seu ritmo de “alimentação” começou a aumentar, alcançando uma taxa de acreção de massa de 10⁻⁷ massas de Júpiter por ano, a maior já medida em um objeto de massa planetária.

Como resultado desse frenesi, o objeto se tornou entre 1,5 e 2 magnitudes mais brilhante na luz visível, e seu fluxo no espectro óptico aumentou entre 3 e 6 vezes. Esse surto permaneceu ativo por pelo menos dois meses, já que ainda estava em curso ao final da campanha de observação em agosto de 2026.

Mas o mais interessante é a velocidade que ele atinge. Segundo observações feitas com o Very Large Telescope do Observatório Europeu do Sul, a taxa de crescimento é realmente agressiva, com um recorde de devorar 6,6 bilhões de toneladas de poeira e gás por segundo.

Pegadas reveladoras

Além do aumento de brilho, os telescópios captaram mudanças físicas detalhadas que revelam a natureza do evento. Uma linha de emissão de hidrogênio, conhecida como Hα, desenvolveu um perfil de “duplo pico” com absorção deslocada para o vermelho. Segundo os autores, esse perfil é uma “marca distintiva” da acreção canalizada por campos magnéticos, um processo chamado “acreção magnetosférica”, observado em estrelas jovens.

Mas a descoberta mais surpreendente foi a mudança na química do disco. Inicialmente, foram observadas alterações nas linhas de emissão de moléculas de hidrocarbonetos provenientes do disco durante o surto. Além disso, começou a aparecer vapor de água com emissão característica próxima de 6,6 µm. Esse vapor surgiu durante o surto onde antes não havia nada e é relevante porque é a primeira vez que se observam mudanças químicas desse tipo provocadas por um aumento na acreção.

A relevância

Este evento classifica Cha 1107-7626 como o primeiro “EXor” de massa planetária conhecido. Os surtos EXor são eventos de acreção significativos, considerados episódios-chave na evolução precoce das estrelas. Eles podem afetar profundamente a estrutura física e a composição química do disco protoplanetário, influenciando potencialmente as primeiras etapas da formação de planetas.

Observar esse processo em um objeto tão pequeno demonstra que os mecanismos violentos e fundamentais que constroem estrelas também funcionam em escalas planetárias. O estudo de Cha 1107-7626 oferece uma visão sem precedentes da acreção em objetos de menor massa do universo, fornecendo uma nova perspectiva para entender como se formam tanto as estrelas menores quanto os planetas maiores.

Imagens | Javier Miranda

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.


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