Ucrânia aproximou seus drones do exército russo e a surpresa é enorme: norte-coreanos substituídos por cubanos com uma promessa irresistível

A notícia personifica a conversão do conflito ucraniano num campo de treinamento que reforça a cooperação militar entre autocracias

Cubanos também estão lutando pela Rússia contra a Ucrânia | Imagem:  OTAN, Raibel Palacio, Ministério da Defesa da Ucrânia
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
pedro-mota

PH Mota

Redator
pedro-mota

PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

971 publicaciones de PH Mota


Durante meses, relatos de combatentes estrangeiros na Ucrânia apontavam para a Coreia do Norte como a principal fonte de soldados enviados para apoiar a Rússia. Depois, houve a confirmação oficial de ambas as nações. Discretamente, no entanto, esse equilíbrio está mudando de maneiras surpreendentes. No tabuleiro de xadrez da guerra no Leste Europeu, outro país começa a desbancar Pyongyang no papel de maior fornecedor de tropas para Moscou, uma reviravolta inesperada que revela tanto a fragilidade da Rússia quanto a profundidade de suas alianças autoritárias.

Frente Cubana

O que começou como uma invasão regional se transformou em uma guerra global, com a Rússia não apenas colocando a Ucrânia e seus aliados ocidentais uns contra os outros, mas também mobilizando uma rede de regimes para sustentar o esforço de guerra. Entre eles, Cuba surge como um ator inesperado: segundo estimativas ucranianas, até 25 mil cubanos poderiam se juntar à frente russa, tornando-se a maior força estrangeira na Ucrânia, acima dos contingentes norte-coreanos.

Para o Kremlin, a utilidade dessa fórmula é óbvia: as baixas de combatentes estrangeiros não geram protestos internos, não exigem indenização das famílias russas e reduzem o custo político do conflito. Em um país com mais de um milhão de baixas estimadas, atrair soldados do exterior também é uma questão de sobrevivência estratégica.

A principal motivação de muitos recrutas cubanos é simples: econômica. Em uma ilha mergulhada em uma das piores crises das últimas décadas, onde o salário médio mal ultrapassa US$ 20 por mês (pouco mais de R$ 100), promessas de ganhar US$ 2 mil (equivalente a R$ 10 mil) por mês combatem qualquer escrúpulo ideológico. Alguns aceitam os contratos com convicção, outros são enganados com ofertas de trabalho na construção civil ou em fábricas, apenas para descobrir, ao chegar à Rússia, que seu destino é a frente de batalha.

Analistas como Cristina López-Gottardi apontam que a atração econômica é irresistível, mas também destacam a dimensão política: Havana obtém renda com remessas de combatentes e consolida seu alinhamento com Moscou, apresentando-o como um gesto de "lealdade revolucionária" e um desafio simbólico a Washington. Especialistas apontam que o regime busca reforçar sua narrativa antiamericana, apresentando a participação como um ato de solidariedade internacionalista, mesmo que na prática seja uma fonte de divisas em tempos de adversidade.

Mercenários, coerção e globalidade

A presença cubana faz parte de uma tendência mais ampla: a crescente dependência da Rússia de combatentes estrangeiros. Segundo dados de inteligência, em 2025, quase metade dos prisioneiros capturados na Ucrânia não eram cidadãos russos, enquanto em 2022 representavam apenas 1%. De africanos recrutados sob ameaças de deportação a estudantes enganados com falsas ofertas de emprego em "fábricas de xampu", passando por norte-coreanos enviados como bucha de canhão, Moscou recorre a todo um mosaico de soldados forçados ou mercenários.

Nesse sentido, a contribuição cubana não apenas fortalece as linhas russas, mas também amplifica a imagem de uma guerra travada por um eixo autoritário internacional que inclui Irã, Venezuela, Coreia do Norte e agora Cuba, compartilhando armas, tecnologia e experiência em um campo de batalha convertido em laboratório para a moderna guerra por drones, guerra eletrônica e novas táticas de combate.

O envolvimento cubano na Ucrânia não passou despercebido pelos Estados Unidos. O governo Trump decidiu usá-la como argumento central em sua ofensiva diplomática contra Havana na ONU. Um telegrama interno do Departamento de Estado, datado de 2 de outubro, instruiu as delegações americanas a pressionarem os aliados a votarem contra a tradicional resolução anual que pede o fim do embargo americano a Cuba.

Ano após ano, a medida tem obtido apoio esmagador (em 2024, 187 países votaram a favor e apenas Estados Unidos e Israel contra), embora Washington espere reduzir essa margem apresentando evidências de que o regime de Miguel Díaz-Canel se tornou cúmplice ativo da agressão russa, com entre 1 e 5 mil combatentes destacados nas linhas de frente. Os documentos enfatizam que Cuba "falhou em proteger seus cidadãos de serem usados ​​como peões" na guerra e acusam o regime de "minar a democracia" na região, em particular por meio de sua aliança com a Venezuela.

https://i.blogs.es/a728fc/27074095286_1e3b3f7736_b/1366_2000.jpeg

Embargo e sanções

A estratégia de Washington busca desarmar a narrativa de Havana, que apresenta o embargo como a raiz de todos os seus males. O telegrama diplomático instrui a destacar a corrupção e a incompetência do governo cubano, além de enfatizar que os problemas econômicos não decorrem das sanções, mas de sua má gestão. Trump, em seu retorno à presidência, reforçou as restrições: reintegrou Cuba à lista de países patrocinadores do terrorismo, limitou ainda mais as transações financeiras e sancionou terceiros países que colaboram com médicos cubanos no exterior.

Diante dessa pressão, o regime cubano acusa Washington de buscar pretexto para a agressão e até mesmo de instrumentalizar o combate às drogas no Caribe como pretexto para aumentar a tensão. Dito isso, o pano de fundo parece diferente: a combinação de colapso interno e aliança militar com Moscou coloca Cuba no epicentro da luta geopolítica entre Washington e o bloco autoritário.

Para além dos equilíbrios diplomáticos, o que preocupa muitos analistas é que a guerra na Ucrânia se tornou uma academia involuntária para exércitos aliados à Rússia. Cada contingente estrangeiro que pisa na linha de frente aprende em primeira mão as técnicas da primeira grande guerra de drones da história: desde operações de enxame até guerra eletrônica.

Como alerta Bill Cole, fundador do Peace Through Strength Institute, "o verdadeiro perigo não são os milhares de cubanos ou norte-coreanos enviados, mas o que eles aprendem e depois exportam para outros conflitos na América Latina, África ou Ásia". Essa transferência de conhecimento bélico transforma a guerra num multiplicador de instabilidade global, com regimes autoritários absorvendo táticas e adaptando-as aos seus próprios cenários.

Paradoxo cubano

A participação de milhares de cubanos na guerra na Ucrânia também revela um paradoxo: enquanto para o regime de Havana representa tanto uma fonte de divisas quanto uma reafirmação de sua identidade antiamericana, para Moscou é uma solução barata e politicamente confortável para o desgaste interno, e para Washington, uma oportunidade para intensificar a pressão diplomática e justificar seu embargo.

No entanto, o mais preocupante é que, neste tabuleiro de xadrez global, os combatentes cubanos não apenas morrem em trincheiras distantes: eles também personificam a conversão do conflito ucraniano em um campo de treinamento que reforça a cooperação militar entre as autocracias do novo século.

Imagem | OTAN, Raibel Palacio, Ministério da Defesa da Ucrânia

Inicio