Soldados da Ucrânia estão começando a carregar tesouras para enfrentar a arma mais letal da Rússia

Na Ucrânia, cada drone russo que decola se transforma em uma aposta silenciosa entre a vida e a morte, especialmente se estiver acompanhado de um cabo

Drones com cabos de fibra conseguem se manter ocultos / Imagem: Ministry of Defense of Ukraine
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

No começo de janeiro, o New York Times revelou algo que já não podia mais ser escondido na guerra da Ucrânia. Diante da brutalidade do conflito, uma tecnologia se infiltrou para driblar a guerra eletrônica e avançar no território inimigo de ambos os lados como nunca antes. A ameaça estava destruindo as linhas, tornando os ataques invisíveis e escapando de qualquer tentativa de interferência. Agora, essa tecnologia se tornou mais forte e mortal na Rússia: a fibra óptica.

A BBC explicou isso em uma reportagem. Na localidade ucraniana de Rodynske, a poucos quilômetros de Pokrovsk, a guerra adquiriu uma dimensão ainda mais devastadora com o uso intensivo de bombas planadoras de 250 kg e drones de vigilância e ataque. O impacto recente de um desses projéteis destruiu prédios administrativos e residenciais, deixando um cenário de devastação.

As tropas russas, incapazes de tomar Pokrovsk diretamente, começaram a cercá-la estrategicamente, cortando rotas de abastecimento por meio de um cerco que se intensifica a cada dia. A presença imediata de drones russos sobre Rodynske revela que Moscou avançou a partir do leste, além das posições previamente identificadas, posicionando suas armas em zonas recentemente capturadas.

A ascensão imparável da fibra

Nesse cenário em constante mudança, uma tecnologia vem se aperfeiçoando como a arma mais temida do conflito: os drones guiados por cabo de fibra óptica. Diferente dos modelos tradicionais, a conexão física com o controlador torna esses drones imunes às interferências eletrônicas, que até agora eram um dos pilares mais importantes da defesa.

Embora sejam mais lentos e possam ficar presos (por exemplo, ao passar por árvores altas), sua capacidade de operar em ambientes fechados, como dentro de prédios, e de se manterem ocultos transforma cada movimento dos soldados ucranianos em uma possível sentença de morte. Nesse sentido, a Rússia tomou a dianteira na implementação dessa tecnologia enquanto a Ucrânia ainda a testava e, embora agora tente acelerar sua produção, a vantagem tecnológica de Putin continua a inclinar a balança no campo de batalha.

Cabo de fibra acoplado a um drone na Ucrânia Cabo de fibra acoplado a um drone na Ucrânia

As linhas de frente

Esse novo tipo de ameaça alterou completamente a dinâmica dos destacamentos ucranianos. Soldados como Serhii e Venia, do 68º Batalhão Jaeger, relataram à BBC como o simples deslocamento até uma posição pode ser mais letal do que o combate direto. A pressão forçou as unidades a permanecerem muito mais tempo nas trincheiras, sem possibilidade de rodízio.

Maksym, artilheiro do 5º Batalhão de Assalto, conta que antes podiam se revezar a cada poucos dias, mas agora há quem passe até 120 dias seguidos na linha de frente. A fadiga, a umidade, a morte constante e a impossibilidade de baixar a guarda redefiniram o combate. Oles, chefe de reconhecimento, explicou que as táticas russas evoluíram para infiltrações pequenas e móveis: motos, quadriciclos, patrulhas de um ou dois homens que penetram linhas inimigas como peças dispersas num tabuleiro de xadrez.

Cabo

Yas, comandante das unidades não tripuladas (drones) ucranianas, detalhou isso em entrevista para o The War Zone. Operar drones por fibra óptica oferece uma vantagem tática essencial: permite controle silencioso, sem emissões detectáveis, tornando obsoletos muitos sistemas de guerra eletrônica do inimigo. No entanto, o sistema também apresenta limitações. O manejo dos drones exige grande perícia, pois um piloto inexperiente pode causar perdas por falhas de controle e até explosões indesejadas.

Além disso, o cabo de fibra pode se romper facilmente ou se enroscar, e a tecnologia em si é cara e de difícil acesso (principalmente para a Ucrânia). Apesar disso, a taxa de sucesso dos drones de fibra em atingir e acertar seus alvos gira em torno de 50%, cifra que supera claramente a dos drones convencionais por radiofrequência. No entanto, menos de 5% da frota de drones ucranianos, segundo Yas, utiliza atualmente esse sistema, principalmente devido à escassez de unidades de qualidade e à saturação dos fabricantes locais, muitos dos quais, em seus primórdios, revendiam componentes chineses sem compreender plenamente os requisitos operacionais em combate.

A corrida assimétrica

Nesse sentido, as capacidades russas não se impõem apenas pelo número, mas pela rapidez com que adaptam soluções. Cada vez que a Ucrânia muda de frequência ou introduz melhorias, Moscou responde rapidamente, escalando suas contramedidas de forma coordenada. Assim tem sido com os canais de controle e a transmissão de vídeo.

Nesse contexto, os drones de fibra óptica representam uma janela momentânea de vantagem tática. Embora na Ucrânia já tenham sido alcançadas distâncias de 15 e até 20 quilômetros com drones desse tipo, a Rússia opera modelos de até 30 quilômetros. Yas lamentou que, salvo no caso dos drones convencionais, o Estado ucraniano ainda não conseguiu estabelecer uma infraestrutura sólida de produção e implantação para os drones de fibra óptica. Uma lacuna que pode determinar a diferença entre manter as posições defensivas ou perder terreno estratégico para o inimigo.

Resistência

Na BBC, um soldado ucraniano contou que o medo dos drones invisíveis por conta da fibra os levou a começar a levar tesouras para todo lugar para cortar os cabos. A tecnologia já gerou episódios de verdadeiro pesadelo, onde drones entraram em edifícios perseguindo alvos humanos. Enquanto isso, e embora a Rússia tenha conseguido avanços importantes, a tomada total de Donetsk ainda está longe de ser uma realidade imediata.

A Ucrânia continua resistindo, mas sofre com a escassez de munição, a necessidade urgente de armamento e uma preocupante falta de pessoal qualificado frente a um exército russo mais numeroso e com processos atualmente mais institucionalizados. Yas é categórico: o futuro da guerra dos drones dependerá não apenas da tecnologia em si, mas de quem for capaz de organizá-la e multiplicá-la mais rápido. Enquanto isso, cada drone que levanta voo com uma bobina de fibra óptica se transforma em uma aposta silenciosa entre a vida e a morte.

Imagem | Ministry of Defense of Ukraine

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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